No Brasil, segundo o censo do IBGE de 2010, haviam aproximadamente 92% de pessoas religiosas. Assim, não é incomum que pacientes e terapeutas tenham religião. É assegurada por lei a liberdade religiosa no Brasil, no artigo 5 inciso VI da Constituição Federal de 1988, a todas as pessoas e também que nenhum profissional pode ser proibido de exercer uma profissão devido a sua espiritualidade.

É praticamente impossível ser brasileiro e não lidar com a religião, seja em nós ou seja como público que vamos atender. Para fazermos isso da forma mais profissional possível, algumas informações são importantes a fim de conhecermos nosso nicho e aprimorar a nossa ação profissional.

O psicólogo e a sua religião

Nós, psicólogos, somos atravessados pelas nossas crenças e descrenças que nos compõem como pessoas e isso é absolutamente normal.

Mas sabemos que a forma que a espiritualidade do psicólogo se faz presente no consultório nem sempre é posta de forma ética.

O código de ética do psicólogo é claro: no artigo 2º tópico b, diz que é vedado ao psicólogo induzir a convicções religiosas durante o exercício profissional, da mesma forma que é impedido o proselitismo político, de orientação sexual, ideológico ou filosófico durante o seu trabalho.

Desse modo, práticas de regressão à vidas passadas, conversão religiosa, uso de Tarot e astrologia como instrumentos divinatórios e outros elementos religiosos não podem ser usados na prática profissional do psicólogo.

O Conselho Federal de Psicologia entende que, apesar deste profissional poder fazer uso dessas coisas fora de seu trabalho e desassociado do título de psicólogo, não o deve na sua prática, pois afetaria o caráter laico que a Psicologia possui.

É importante lembrar também que o artigo 2ª tópico “e” coloca que é vedado ao psicólogo ser coniventes com faltas éticas, isto é, se o profissional conhecer outro que estiver cometendo um erro ético dentro da profissão este pode e deve denunciá-lo pelo bem dos clientes que podem ser atendido por aquele.

Para o paciente não ser tratado a partir de práticas que não são verdadeiramente da Psicologia, o Conselho Federal de Psicologia também não aprova a existência de cursos de Psicoteologia, de Psicologia Cristã e outros que vemos sendo divulgados ocasionalmente.

Outro órgão importante para nossa profissão, a Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP), há anos organiza o que é ensinado dentro das nossas faculdades e sempre reafirma um currículo laico. Assim, não há base sequer para que faculdades de Psicologia, reconhecidas pelo MEC, orientadas pelo CFP e pela ABEP, ofereçam o ensino de Psicoteologia, de Psicologia Cristã ou outras do gênero.

E, no artigo 18 do nosso código profissional, é vedado ao psicólogo divulgar informações acerca da profissão – como técnicas e instrumentos – que podem facilitar o exercício ilegal da profissão.

Logo, não só é ilegal a prática dessas formas terapêuticas citadas como também é ser conivente com elas passando conhecimento técnico para instrumentalizá-las.

Isso não impede o uso de um aparato teórico da psicologia a fim de se estudar o ser humano em sua relação com a religião. Também não impede que o psicólogo escolha, dentre as linhas teóricas laicas da psicologia, uma que faça mais sentido com aquilo que acredita espiritualmente.

O que não pode ocorrer é um terapeuta usar de base religiosa, não reconhecida pelos órgãos citados da profissão, e utilizar na sua prática como se fosse psicologia.

A fim de mantermos nosso limite ético, é necessário, também, sabermos respeitar e compreender a religiosidade do nosso paciente. Isso vai depender do nosso público alvo, do local que atuamos e, principalmente, da nossa disposição de se perguntar o quanto essa religião importa para este cliente. Por isso, uma segunda pergunte surge para a nossa atuação:

Em que meu cliente crê?

Quando escolhemos uma área para trabalhar na psicologia, muitos fatores estão englobados nessa decisão. Uma, sem dúvida, é nossa afinidade com o tema, o quanto gostamos e estamos dispostos a estudar sobre isso. Outro tópico necessário é a remuneração, como é a atuação e se tem espaço no mercado.

Porém, um tão importante quanto e que é fundamental na escolha do nicho é: quem é o meu público?

E esse será o assunto que enfatizaremos aqui.

Meu público serão atletas de 15 a 30 anos, que moram em uma população precarizada da cidade? São crianças de até 6 anos, de classe social alta na escola? Idosos que precisam ressignificar sua vida na clínica? Esquizofrênicos em idade de trabalho que querem ser reinseridos na sociedade? Mães que não sabem lidar com os filhos? Afinal, quem é meu paciente?

E, para esta pergunta, quem investe em certo nicho precisa saber quem são essas pessoas, com detalhes. Essas pessoas têm cor, território, família, gênero, determinada condição mental, idade e, no nosso caso, certamente tem uma religião.

E, posso assegurar, religião é um desses temas que não podem ser esquecidos no seu mapeamento de nicho.

Um pequeno exemplo disso ocorreu na prefeitura de São Bernardo do Campo, interior de São Paulo, na delegacia da mulher. Mulheres evangélicas vinham na delegacia ameaçadas de morte pelos companheiros, porém, no decorrer do processo, se negavam a se separar alegando que o matrimônio era uma decisão de Deus.

Isso começou a criar um problema enorme para as funcionárias, porque se sentiam incapaz de manejar esse fenômeno religioso que surgia no dia-a-dia. Hoje a prefeitura uma vez por ano faz um trabalho em conjunto com igrejas locais para a prevenção a violência doméstica.

Nosso público tem uma religião.

Isso se torna ainda mais evidente quando o psicólogo deixa de ser um profissional da classe média e vai se adentrando nas escolas públicas, no SUS e nas ONGs. Alguns dados do censo do IBGE de 2010 podem nos ajudar a ver essa realidade.

Cerca de metade da população religiosa é negra ou parda, além de não chegar ao ensino superior. 15 milhões destes são analfabetos. A grande maioria dos religiosos, em geral, mora na periferia do país. Isso é, são majoritariamente usuários da psicologia através do serviço público.

Mesmo assim, sabemos que existem religiões que possuem um público mais elitizado, como os espíritas. Sendo o último IBGE, estes têm sua predominância entre 2 a 10 salários mínimos, com ensino superior completo. Junto com a umbanda, o judaísmo e o budismo, são as religiões com maior número de brancos no país. Em contrapartida, as religiões com os maiores números de negros e pardos são os evangélicos, católicos e candomblecistas.

A maior religião do Brasil continua sendo a católica (IBGE, 2010), com cerca de 120 milhões de adeptos. Em algumas regiões, como o nordeste, esta continua a ser majoritária. Porém, no sudeste e no sul, já vemos um crescimento do número de evangélicos. Por exemplo, no Rio de Janeiro, os evangélicos já são maioria em toda zona oeste e norte.

Depois dos católicos, ainda em uma quantidade muito menor, há os evangélicos com mais de 40 milhões de adeptos. Em terceiro lugar, encontramos os espíritas com 3 milhões de adeptos. Englobados na mesma categoria do IBGE, a Umbanda e o Candomblé possuem quase 600 mil fiéis.

Além dessas religiões, ainda há mais 5 milhões de pessoas religiosas no Brasil em um conjunto enorme de variedades de crenças.

Apesar de existir um número significativo de pessoas “sem religião” no Brasil – 15 milhões – menos de 5% destes são ateus. Pesquisas têm apontado que a grande maioria tem crenças e as praticam no dia a dia. Por exemplo, muitas pessoas com afinidades esotéricas preferem se denominar como sem religião.

E quem é seu público? Quais crenças ele vai trazer para seu trabalho? Isso tudo importa quando estabelecemos um nicho. Lembre-se de pesquisar disso quando for a campo e você terá um trabalho muito mais rico.

Resumindo:

Desse modo não podemos esquecer alguns pontos importantes que citamos no texto.

Quanto ao psicólogo este:

  • Pode ter uma religião.
  • Deve ter sua prática baseada em princípios teóricos e técnicos científicos e não em crenças religiosas.
  • Pode ter suas práticas religiosas, desde que não associada à prática psicológica nem ao título de psicólogo.
  • Tem o dever ético de não instrumentalizar teórica e tecnicamente práticas que misturam religião e psicologia, para evitar o exercício indevido da profissão.

Como também citamos aqui, não só a religiosidade do psicólogo importa, mas do paciente também.

Então é válido lembrar:

  • Quando escolhemos um nicho, temos que estar atentos a características dele como a religião.
  • Com o maior acesso ao serviço psicológico, pessoas mais pobres e mais religiosas têm se aproximando da nossa área.
  • Qual religião será mais comum na sua atuação depende do estado, do local e da classe social que você atende.
  • Independente de qual você encontrar, trate com respeito e tente compreender a visão do mundo deste religioso.

A falta de respeito e limites trazem situações drásticas e conhecidas dentro da nossa profissão.

Um caso famoso de conflito ético e religioso relacionado a isso foi o caso da Marisa Lobo, que é psicóloga clínica e que propunha cura gay na sua atuação. Nesse exemplo tem algumas coisas interessantes a serem pontuadas. A base da cura que ela propunha como prática psicológica vinha da religião dela, então logo podemos perceber aqui um erro ético.

Além deste, sabe-se também não há trabalhos consistentes para se propor tal prática no consultório e há o veto, no mesmo artigo 2, tópico b, a qualquer discriminação sexual vinda de profissionais da psicologia.

Outro caso do mesmo tipo ocorreu quando o pastor Silas Malafaia teve seu CRP cassado, sem sucesso, ao colocar em suas pregações que a homossexualidade tinha cura, baseando-se na psicologia e no fato dele ser psicólogo.

As conseqüências também podem ser bem ruins quando o psicólogo não respeita a religião do paciente. Casos de intolerância religiosa também ocorrem dentro dos nossos consultórios e devem ser evitados a todo custo, a fim de produzirmos uma prática mais respeitosa.

Além destes, muitos outros casos são comuns e conhecemos. Porém, nos cabe como psicólogos respeitar os nossos limites éticos pelo bem daqueles que serão atendidos por nós, seja na instituição ou na clínica.

AUTORES

REBECCA MACIEL E RAFAEL LINS

Deixe uma resposta