Pois é, você se gradua, feliz da vida, resolve que vai ter uma linda profissão ajudando as pessoas a se tornarem mais equilibradas e felizes, e então…

O choque.

Talvez você até tenha seu consultório, fez seus cartões, conseguiu ali um ou outro cliente, mas a verdade mesmo é que nem de longe as coisas estão como você queria.

Seu amigo médico está com o consultório lotado, seu colega personal trainer não tem horário na agenda. Até seu encanador vive ocupado.

E você aí, querendo saber por que as pessoas não te procuram tanto.

Pois bem, existem vários fatores, mas podemos dizer que dois deles são principais. Na verdade são dois conjuntos de fatores.

O primeiro conjunto diz respeito às habilidades mercadológicas dos psicólogos em geral. São os fatores que se referem à competência dos psicólogos para fazerem negócios com seu conhecimento.

Aqui estão envolvidos aspectos como:

  • Posicionamento de mercado
  • Definição de público alvo
  • Ações de marketing
  • Domínio de linguagem
  • Pacote de serviços

Já o segundo conjunto de fatores que faz com que as pessoas não procurem tanto nossos serviços, é o que chamo de cultural/contextual, e não está exatamente relacionado à sua habilidade de fazer negócios. Embora esta habilidade possa, aos poucos, mudar a cultura.

Este segundo conjunto tem a ver com a forma como a psicologia é percebida pelo mercado. Trata-se de uma imagem construída por anos, e que está muito bem formada no, digamos assim, “inconsciente coletivo”.

É exatamente destes fatores, culturais e contextuais, que vou falar neste artigo.

Este artigo não vai propor uma ação específica ou um conjunto de passos, mas vai ajudá-lo a entender algumas engrenagens por trás da história.

E são estas engrenagens, invisíveis, que fazem com que os serviços dos psicólogos ainda não sejam tão procurados quanto serviços de outras áreas da área da saúde.

Afinal, por que as pessoas têm tanta resistência ao nosso trabalho?

Há uma boa e uma má notícia em relação a isto.

A má é que vai levar um bom tempo até que as pessoas consigam perceber a psicologia como um serviço essencial para uma vida saudável. A boa, é que nós podemos acelerar esta mudança através de transformações simples em nossa prática profissional.

Continue lendo para entender:

  • O que a cultura tem a ver com a baixa procura por serviços de psicologia;
  • Por que os psicólogos também têm culpa no cartório;
  • O que fazer para criar uma psicologia mais engajada e aceita;

O primeiro aspecto relevante a entendermos é:

A Força da Cultura nas Práticas Cotidianas

Você sabe o que os nobres do século de 18 e as latas de lixo de sua casa tem em comum?

O cheiro.

Por mais absurdo que pareça, tomar banho, há cerca de duzentos, anos era um evento considerado, digamos, especial.  E a porcaria não parava por aí.

O palácio de Versalhes, na França, aquela obra prima da arquitetura, fedia.

Como não tinham banheiro ou sequer a noção de limpeza que temos hoje, as “necessidades” de sua majestade e da corte eram feitas nos jardins e corredores. Por mais bizarro que isto pareça na atualidade, o palácio foi projetado sem banheiros ou qualquer coisa parecida.

Viu o povo elegante na foto aí de cima? Todo mundo fedendo.

A nojeira era tanta, que nas cidades o sujeito fazia xixi no penico, se achegava à janela e gritava “vai água”, para avisar à quem estivesse passando embaixo de que lá ia a água. (No caso, do penico.)

O banho era um evento tão exótico que costumava acontecer uma vez por ano, numa espécie de ritual. Cotidianamente o que se fazia era apenas lavar rosto. Há histórias de reis que nasceram e morreram sem saber o que significa entrar numa tina d’água. As roupas, como também não eram trocadas, apodreciam no corpo, e só então colocava-se novas, que iam apodrecer novamente.

Mas então: Por que as pessoas eram tão porcas?

Falta de Estrutura?

Você pode alegar que as pessoas não se banhavam e jogavam porcaria pelas janelas por que não havia a estrutura que temos hoje. Atualmente basta abrir o chuveiro ou dar a descarga que a coisa se resolve.

Mas não. Não era exatamente por isso.

A imundicie não era a consequência da falta de estrutura. Pelo contrário.  A cultura da imundície é que fazia com que as pessoas não procurassem meios para facilitar sua limpeza.

As pessoas não haviam atentado para a importância do asseio. Ser daquele jeito era natural, assim como já foi natural andar pelado no meio da selva. (No sul do Brasil, isso voltou a ficar normal.)

Só que algo mudou.

Com o avanço das ciências, da educação, e com um melhor entendimento sobre várias doenças, as pessoas começaram a perceber que o cheirinho bom não é o único benefício da limpeza.

O maior deles, na verdade, é a saúde.

E graças a isto você tem hoje na sua casa um chuveiro, que foi inventado por um francês, o que confirma que a necessidade é mesmo a mãe da invenção.

Mas o que este caso todo tem a ver com a forma como a psicologia é vista hoje?

Tudo.

Deixa eu te fazer uma pergunta: Você já visitou seu dentista este ano? E seu médico? Já foi?

Se você é mulher e passou dos 40 anos, está fazendo a mamografia?

Como vai a próstata meu amigo?

A Indústria do Bem-Estar

Olha só esse casal. Bem melhor que aquele povo lá de cima, não acha?

Mensagens sobre os cuidados com a saúde são absurdamente comuns hoje na TV, no rádio e em diversos meios de mídia.

Existe até o que se chama de indústria do bem-estar, conhecida mundialmente como Wellness, que movimenta bilhões através da venda de produtos e serviços que trazem bem-estar às pessoas. (Não estou falando de picaretagem para emagrecimento, e sim de profissionais sérios que existem neste meio.)

Ande pelas ruas e você verá imagens de pessoas saudáveis e sorridentes nos outdoors e panfletos. As academias cheias, as praças lotadas, o povo malhando.

O quadro é simples: Hoje em dia um monte de gente leva a sério a saúde do corpo. E é ótimo que as pessoas se comportem assim.

Mas e a saúde emocional? Por que as pessoas não cuidam dela?

Você não tem visto as inúmeras propagandas feitas pelos psicoterapeutas e conselhos de psicologia, informando os benefícios de se cuidar de sua saúde emocional?

Não, você não tem visto. Porque elas não existem.

E o motivo de não existirem é a crença ABSURDA abaixo:

Psicólogo é Coisa de Gente Doente

É interessante pensar como a indústria do bem estar jamais chegou a atingir a psicologia.

Basta andar pelas ruas e você verá outdoors, panfletos, cartazes e uma enorme quantidade de informações dizendo pra você cuidar do seu corpo.

E absolutamente nada sobre sua psiquê, suas emoções, seu comportamento.

E por que as emoções e a psicologia ainda não entraram no jogo de maneira popular?

Cultura.

A maneira como a psicologia é percebida hoje, pela sociedade e pelos próprios psicólogos, é algo que nos faz lembrar o que pensavam dos banhos no século 18.

Pra fazer o sujeito entrar dentro d’água e se higienizar, era preciso que a coisa ficasse preta, literalmente. Somente quando o corpo quase começava a apodrecer é que se recomendava um banho.

Alguma semelhança com as pessoas que só procuram um terapeuta quando a situação já saiu do controle, a cobra já fumou e a vaca já foi pro brejo?

É cultura.

A principal barreira para que os psicólogos ganhem mercado é exatamente a maneira como a psicologia é vista pela população. A percepção que se tem é de que um terapeuta só deve ser procurado quando alguém vai de mal a pior.

Cuidar da Saúde ou Curar a Doença?

Para entender melhor, vamos tomar o exemplo de um profissional de educação física, que também trabalha com saúde.

Qualquer egresso do curso de educação física pode escolher atuar como personal trainer e ostensivamente fazer publicidade disso.

Ele pode criar um site, fazer cartões, parceria com academias, e falar ABERTAMENTE sobre os benefícios de seu trabalho.

Resumindo, ele pode fazer um marketing bastante agressivo.

É uma constatação simples. A sociedade hoje ENTENDE que cuidar da saúde do corpo é essencial. Assim como entendeu, há um bom tempo, que o banho e demais práticas sanitárias são aspectos fundamentais para a vida.

Mas voltemos ao raciocínio:

Quando o educador físico tenta convencer as pessoas dos enormes benefícios de se cuidar da saúde física, ninguém, em hipótese alguma, julga que ele está tentando fazer algo antiético. Ou que esteja induzindo alguém, de má fé.

Agora vejamos os psicólogos:

Tenho um conhecido que é terapeuta clínico.

Não vai lá muito bem com seu consultório, mas NEGA-SE terminantemente a fazer propaganda e marketing. Se disser a ele que deve prospectar clientes, fica quase ofendido.

A razão? “É uma questão de ética, o que eu ofereço é uma coisa muito séria”!

Concordo. E por isso mesmo ele deveria se certificar de mostrar o serviço para o maior número de pessoas possível.

É um cara brilhante, que tem o poder de mudar a vida das pessoas para melhor, mas que por alguma razão misteriosa acha que seria algo ANTIÉTICO convencê-las disso.

Vou te dizer o que é antiético:

Omitir-se!

Antiético é ter um serviço que pode melhorar a vida de seres humanos, e ter vergonha de oferecer. É ver pessoas angustiadas, e não deixar claro como você pode ajudar. Mas é esta a cultura que nos permeia.

Os poucos de nós que ousam adotar uma postura de divulgação, são olhados como mercenários ou como piada por muitos colegas.

Deixa eu te contar: Está tudo errado.

As pessoas precisam ser educadas sobre os benefícios do trabalho dos psicólogos. Elas precisam entender o que é, para que possam escolher consumir.

Pare uma pessoa na rua e pergunte a ela o seguinte: “Qual a primeira imagem que vem à sua mente quando ouve a palavra psicólogo?”. Você vai ouvir: Divã, loucura, terapia, neurose, consultório.

Agora vou te dizer uma palavra que você não vai ouvir: SAÚDE!

Nós psicólogos trabalhamos – ou deveríamos trabalhar – com promoção de saúde. Com melhoria, desenvolvimento, crescimento. Nossa imagem deveria remeter à EVOLUÇÃO, e não somente ao suporte a perversões, comportamentos estranhos e afins.

Assim como o sujeito cuida do corpo para não adoecer, deveria cuidar do comportamento e das emoções pelo mesmo motivo.

Claro que devemos tratar os aflitos emocionalmente. Mas a melhor forma de fazer isto é evitando que cheguem a este estado.

As campanhas de prevenção contra o câncer, com aquela camiseta bonita e artistas lindos num fundo branco, já mudaram milhões de vidas. Você já viu algo semelhante em relação a psicologia?

Vá malhar! Procure seu médico! Visite seu dentista! Tudo isso é promoção de saúde. Que tal ”Procure seu psicólogo”?

Mas não. Existe uma aura quase negra em relação à psicologia. Quando um sujeito contrata um personal trainer, se orgulha disso e conta na mesa da família que está “malhando”. É motivo de satisfação, investimento em saúde e boa consciência.

Você conhece alguém que ache bonito falar que vai ao psicólogo?

A maioria das pessoas tem VERGONHA de falar isso. Porque é um sinal de fraqueza, de falha, de vulnerabilidade.

Só que a culpa é nossa.

Enquanto a psicologia não se posicionar claramente como um corpo de conhecimento que produz saúde, esta imagem prevalecerá. Enquanto os psicólogos se comportarem como apenas resgatadores de pessoas doentes, é isso que teremos. Enquanto nos omitirmos da responsabilidade de educarmos as pessoas para nossos serviços, somos culpados.

Antes de se falar em marketing, gestão, construção de imagem e empreendedorismo, é preciso revermos “a cara” que nossa ciência tem perante a sociedade. E isto só será feito através da nova geração de psicólogos, que entende que promover saúde é um negócio DO BEM, e que vender seus serviços e educar as pessoas para usá-los é algo necessário.

Você tem conhecimento para mudar a vida das pessoas para melhor, e tem o dever de avisá-las sobre isso.

Só assim o psicólogo passará a ser visto como um criador de saúde. E só assim se tornará presente no cotidiano de pessoas que, mesmo não estando doentes, querem se conhecer mais e encontrar o lado mais feliz  que a vida pode oferecer.

Eu acredito nisso.

E você?

AUTOR

BRUNO SOALHEIRO

Desde 2003, quando se graduou em Psicologia, aborreceu-se com o fato de o curso não enfatizar nenhum aspecto mercadológico da profissão, o que fazia com que a maioria dos psicólogos acabasse tendo que abandonar a carreira ainda no início.Um belo dia, em 2014, após 11 anos de experiência no mundo das organizações, trabalhando em multinacionais e como consultor, decidiu fazer algo sobre aquele “incômodo” do passado, e começou um projeto que tem como missão transformar a maneira como a sociedade percebe e consome os serviços de Psicologia no Brasil e no mundo.

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