Sou de uma época em que ouvir a banda Legião Urbana era sinal de rebeldia e causava espanto nos pais. Não é como agora, onde os pais ensinam as músicas para os filhos.
Um dos “hinos da época” é “Química”; e trago um trecho da letra:
Chegou a nova leva de aprendizes
Chegou a vez do nosso ritual
E se você quiser entrar na tribo
Aqui no nosso Belsen* tropical
Ter carro do ano
TV a cores
Pagar imposto
Ter pistolão
Ter filho na escola
Férias na Europa
Conta bancária
Comprar feijão
Ser responsável
Cristão convicto
Cidadão modelo
Burguês padrão
(* “Belsen” é o nome de um campo de concentração nazista que operou entre 1940 e 1945, onde morreu Anne Frank).
O fio condutor da música é o vestibular, que nos anos 80 era o grande rito de passagem a que se submetiam milhares de jovens em busca das raras vagas disponíveis, à época, nos cursos superiores.
O tempo passou, muitas coisas mudaram e fazer um curso superior hoje é bem menos difícil do que há trinta anos; mas, de certa forma também passamos pelo ritual para a entrada no “Belsen”: a formatura que nos abre (pelo menos assim achamos) as portas do tão sonhado “mercado de trabalho”.
Estamos numa época de fim de semestre, quando formandos de diversas especialidades concluem seus cursos e devem estar se perguntando “formei, e agora?”.

Com os graduados em Psicologia não é diferente. Eu mesmo terminei minha graduação em um mês de julho, não muito tempo atrás. Dias atrás fui a um evento na faculdade onde me formei e vi o banner dos graduandos em Psicologia. Vinte e cinco rostinhos felizes na foto, mas acredito que, assim como a que tiramos na turma em que me formei, disfarçavam um mar de dúvidas e angústias na cabeça.
Como começar? O que fazer? E se os clientes não aparecerem? Faço uma pós graduação logo? Já devo contratar um supervisor?
Muitas dessas dúvidas, se não forem bem resolvidas, podem te desestabilizar nesse momento crucial da carreira, com consequências de longo prazo.
Por isso, mesmo que você já “esteja na pista há algum tempo”, continue comigo que vai valer seu tempo!
Se você está se formando agora, a adrenalina deve estar a mil e a cabeça fervilhando.
Portanto, sem querer parecer guru de autoajuda, te digo:
Calma! Aproveite esse momento para pegar um fôlego emocional, deixar assentar a poeira

Vamos pensar juntos algumas coisas:
Pra começo de conversa, não caia em ciladas!
A faculdade está com uma promoção irresistível de um após graduação master blaster e baratinha só para os alunos! CILADA!
Reflita: fazer uma pós-graduação AGORA vai realmente te ajudar profissionalmente? Você já escolheu um ramo de atuação? A pós seria apenas para você ter mais “segurança em atender” (normalmente esse é um tiro no pé, pois o que nos dá segurança é o feedback de quem nós atendemos).
Te falaram que a graduação é “só uma base” que você “tem que estudar mais para poder começar” e que você “não está pronto para o mercado”. CILADA!
A graduação realmente é uma base bem geral, mas o seu conhecimento com ela é muito maior do que o seu potencial cliente tem. Ademais, se empenhe em “vender seu peixe”, conquistando os primeiros clientes você verá se e o que é necessário estudar para atender melhor o seu público.
Que você até pode querer viver da clínica, mas o que precisa mesmo é fazer um concurso público. CILADA!
Possivelmente quem te disse que precisa de um cargo público para viver é um concursado. Viver – e bem – da clínica não só é possível com tem sido a rotina de nossos alunos e clientes daqui da Academia do Psicólogo. O que precisamos é planejar com inteligência para que isso aconteça.
Que você tem que começar “por baixo”, atender de graça, se cadastrar em planos de saúde e fazer muito trabalho voluntário para “fazer seu nome no mercado”. CILADA!
Você só começa de baixo se quiser! O fato de você estar “chegando agora” no mercado não precisa tabelar seu preço, mas sim a sua capacidade de ajudar o seu cliente a equacionar os problemas dele. Se afiliar a planos de saúde vai te impor um custo operacional alto (abrir CNPJ, contador, etc.) para um retorno pífio. Trabalhar de graça e fazer serviço voluntário até vai, mas busque essas atividades em meio a um público que posteriormente possa pagar um preço justo.
“Você tem que atender de tudo o que vier, depois escolha algo para se especializar”. CILADA!
Você pode segmentar um público alvo que deseje atender, mesmo sendo recém-formado(a). Isso garante à você uma credibilidade maior porque é mais fácil ser muito bom em um nicho específico do que em “tudo que vier”. Avalie suas aptidões e preferências.
“Vamos juntar uma galera aqui da sala, locar um consultório, fazer uns cartões e espalhar”. CILADA!
Abrir um consultório gera custo, sociedade é uma relação complicada e atrair o público com essa estratégia é um convite ao fracasso. Crie relacionamento através das redes sociais e também no corpo-a-corpo. Quando seus primeiros clientes chegarem, subloque salas por hora, se for o caso.
E a palavra mágica para não cair em nenhuma dessas ciladas é PLANEJAMENTO!
Com planejamento, traçamos uma rota, avaliamos os cenários e tomamos decisões mais assertivas, baseadas em informação de qualidade.
E informação de qualidade, ao contrário do que muitos pensam (e nos ensinam nas faculdades) não se encontram apenas nos livros e artigos acadêmicos. Precisamos estar de “antenas ligadas”.

Vejamos, por exemplo, o mercado da Psicologia:
- De 2001 a 2015, se formaram 247.888 psicólogos, uma média de 16.526 profissionais por ano (MEC – Senso universitário), colocando a Psicologia como o sétimo curso entre os “10 mais”;
- O CFP contabiliza 295.503 psicólogos em atividade no Brasil (CRPs ativos/ pagos), cuja distribuição você pode conferir neste link;
- Pesquisa do CFP aponta que dos graduados em Psicologia, apenas metade atua nas profissões derivadas desta ciência. Se aplicarmos esse percentual aos dados do senso, teríamos 123.944 ingressos no mercado.
Diante dessas informações, você pode pensar “puxa, que mercado difícil!”.
Te ofereço um outro ponto de vista
O Brasil tem 207,8 milhões de habitantes; dividindo essa quantidade pelo número de psicólogos, temos 838 habitantes para cada profissional. Na Argentina existem mais de 82.000 psicoterapeutas, para uma população de 43,42 milhões, uma relação de um psicólogo para cada 530 habitantes.
E o resultado desse baixo contingente de profissionais em saúde emocional se reflete nos números aterradores de depressão, ansiedade, consumo de antidepressivos e outros medicamentos psicoativos; além das áreas do esporte, escolar, jurídica, consumo, tecnologia, enfim, existe um vasto campo a ser explorado pela Psicologia, mas que só dará frutos com uma postura ativa, inteligente e planejada.
O cuidado com sua própria saúde emocional é um ponto crítico para seu sucesso na jornada do trabalho. O que tenho visto ao longo de mais de 1500 horas de atendimento exclusivamente a psicólogos é um tremendo descuido com esse aspecto, criando o que tenho chamado de “ciclo maldito do psicólogo”.
Te explico:
É comum que o graduado em psicologia já seja alguém com alguma “área sensível” no campo emocional (para ser menos ácido. Uma autora que li, não faz muito tempo, é bem mais taxativa: “escolher estudar psicologia já é um sintoma”). Ao sair da faculdade, estamos sujeitos ao “efeito rebote”: vínhamos num ritmo acelerado de atividades que, de repente, cessam.
Ficamos meio “perdidos” e suscetíveis a desequilíbrios emocionais.
O caso é que, junto com isso, está o baixo faturamento que normalmente acomete quem está nessa fase, o que, muitas vezes, limita a capacidade de investir na terapia, criando assim o ciclo: faturamos pouco porque temos dificuldades emocionais – não investimos na terapia pessoal por não termos dinheiro – mantemos e ampliamos nossas dificuldades emocionais – faturamos menos; numa espiral negativa.
Portanto, se existe um investimento a ser feito, antes mesmo do seu cartão, setting terapêutico, abertura de empresa, pós-graduação ou qualquer outra coisa, esse deve ser a sua terapia pessoal!
Outra fonte de pressão pode ser a família, com o clima “agora que você formou, se vira!”. O perigo aqui é se precipitar e “pegar o que vier primeiro”, podendo gerar experiências desagradáveis, frustração e até aversão à psicologia.
Reflita calmamente sobre você, suas competências, limitações, desejos e propósito profissional – o que você quer com a Psicologia para você e para as pessoas que deseja atender.
Avalie quais ramos da Psicologia e suas aplicações mais te interessam, busque profissionais que atuam neles e investigue “o caminho das pedras”.
Faça um plano de ação, ainda que simplificado, com o que você quer alcançar até o final do ano.
Bem-vindo, recém formado!