Dizem que quando uma nova ideia surge na cabeça de alguém, ela aparece em diferentes locais do planeta ao mesmo tempo. É como se fosse uma espécie de energia que acontece no mundo, e que de repente é captada por diferentes pessoas, mesmo que não haja qualquer conexão entre elas.

Pois bem, em janeiro de 2014, enquanto mastigava um pedaço de batata no almoço, eu tive uma ideia: Criar um negócio na internet com o objetivo de ajudar psicólogos a desenvolverem suas carreiras de forma independente.

E o conceito escolhido para ajudá-los era uma antiga paixão minha: O empreendedorismo.

Coincidência ou não, em dezembro do mesmo ano surgiu no Brasil o primeiro congresso online voltado a psicólogos, para o qual gravei uma palestra e do qual preferi me afastar logo em seguida, por não concordar com a abordagem de “marketing” utilizada por seus idealizadores.

Também no segundo semestre de 2014, em meados de outubro, comecei a tomar conhecimento de outros profissionais que, de alguma forma, estavam buscando criar e oferecer serviços para psicólogos. Alguns mais sérios e engajados com a causa da classe, outros, em minha opinião, apenas oportunistas querendo fazer dinheiro.

Mas afinal, por quê comecei falando disso?

Por que é provável que daqui pra frente apareçam mais e mais pessoas querendo arranjar um lugar neste – agora promissor – nicho, que é o de ajudar psicólogos a empreenderem e desenvolverem seus negócios.

E já que o número de novos entrantes deve aumentar exponencialmente daqui para frente, imagino que você, psicólogo, vai começar a receber cada vez mais ofertas de experts que supostamente podem “salvar sua carreira e lotar seu consultório”. (Há quem diga que faz isso em 90 dias!).

E é agora que chegamos ao ponto de relevância deste artigo:

O conjunto de técnicas através das quais muitos destes gurus vão sugerir que você comece a dar o salto rumo ao sucesso é maravilhoso e oferece grandiosas possibilidades, mas também é, para nós psicólogos, razoavelmente perigoso se não for usado com muito discernimento.

Estou falando do bom e novo:

Marketing Digital

Pois é, o marketing digital é a nova galinha dos ovos de ouro.

Ele é tudo. É poderoso, barato, estratégico, e pode ser usado literalmente em qualquer mercado.

Para quem não faz ideia do que seja, marketing digital pode ser entendido – de maneira bem sucinta – como um conjunto de técnicas e ferramentas voltadas para vender serviços e/ou produtos através da internet.

E embora este “novo marketing” sirva para vender praticamente tudo – de frango congelado a coberturas para varandas – existe um tipo de produto/serviço que se encaixa mais do que perfeitamente em sua realidade, e que é o maior responsável por seu grande sucesso:

São os produtos e serviços baseados em conhecimento.

Cursos, consultorias, e-books, treinamentos; até mesmo um processo de orientação psicológica online cabe neste conceito.

E é por isso que essa praia se torna mais do que convidativa para nós psicólogos.

Afinal, se você pensar bem, trabalhamos quase que exclusivamente com nosso intelecto. O que vendemos costuma ser impalpável, intangível, e em certos casos até mesmo imensurável.

Diferentemente de um sujeito que trabalha com produtos e serviços físicos, e por isto precisa se preocupar com fornecedor, logística e armazenamento, nós carregamos quase tudo aquilo de que precisamos dentro da cabeça. Geralmente, quando há algum volume físico é dos livros, e mesmo assim, agora, todos eles cabem em um pequeno tablet.

Enfim, se existe um exemplo extremamente adequado do que vem a ser um profissional do conhecimento, este exemplo somos nós.

Portando, somos candidatos mais do que ideais a usar todas as ferramentas e “receitas” do marketing digital.

Receita de Bolo

Tudo aquilo que faz muito sucesso no mundo dos negócios costuma se basear em um método. Com o marketing digital não é diferente.

E métodos são criados, obviamente, por pessoas. Acontece também de, eventualmente, uma única pessoa vir a criar um método que se torna – com diziam minhas tias antigamente – uma verdadeira coqueluche.

E foi justamente isto o que aconteceu no mundo online.

A maioria das iniciativas de marketing feitas através da web hoje, em termos de vendas de produtos e serviços por parte de novos empreendedores, segue um processo lógico criado há alguns anos por um sujeito chamado Jeff Walker.

Ele é o pai da coisa toda, e ficou multimilionário com isso. Olha a carinha de alegria dele aqui embaixo.

Boa parte destes gurus que você conhece hoje no Brasil, de alguma forma bebeu da fonte do Sr. Walker. Alguns mais diretamente, outros nem tanto, mas o fato é que quase tudo aquilo que se faz na internet atualmente – em relação a marketing e vendas – é herança intelectual deste sujeito.

Seu mais bem-sucedido discípulo por aqui é o Érico Rocha – um profissional extremamente sério, diga-se de passagem – que trouxe para o país o famoso produto – criado pelo Jeff Walker – “Fórmula de Lançamento”.

Enfim, essa ladainha toda é para evidenciar que nós estamos começando a viver, aqui no Brasil, aquilo que os EUA começaram a viver uma década atrás: O boom do empreendedorismo online! (Ou digital, se preferir)

E isto é, para ficar numa palavra só, fantástico.

As ideias e sacadas que começaram lá fora, e estão sendo popularizadas por alguns pioneiros aqui, são realmente capazes de transformar positivamente a vida de milhares de pessoas. (Desde que elas tenham a disposição e a disciplina necessárias para seguir a receita).

E a receita, pode acreditar, funciona.

Páginas de captura de e-mail, e-books distribuídos de graça, congressos online, vídeos em sequência, e-mails com títulos chamativos, textos de venda com pegada emocional…Tudo isto é fruto desta nova “onda” que toma conta da web brasileira.

E agora, como você já deve ter percebido, este mundo começa a ser apresentado aos psicólogos também.

Mas será que nós, psicólogos, podemos realmente entrar neste novo mundo do marketing digital e aproveitarmos ao máximo suas técnicas e ferramentas?

Minha resposta é um ressonante SIM.

Na verdade, não só podemos como também devemos usar o marketing digital para alavancar nossas iniciativas empreendedoras. Só que, ao fazermos isto, é imprescindível que tenhamos muito, mas muito:

Cuidado!

Embora a lógica do marketing digital – com suas avançadas técnicas de venda e persuasão – funcione muito bem em qualquer segmento, temos que levar em conta que a natureza de nosso trabalho é diferente de praticamente tudo o que se faz por aí.

E é diferente de uma maneira muito particular: Nós não vendemos curso de culinária, frango congelado nem roupa da moda.

Nós trabalhamos com gente.

Frequentemente, com gente que se encontra em estado de angústia e fragilidade emocional. Concorda comigo?

E embora isto não signifique que não possamos usar as técnicas do Sr. Walker e demais gurus, significa sim, que precisamos fazer isto com mais critério do que os profissionais que trabalham com algo menos, digamos, complexo.

Como psicólogos, nosso produto e nossa ferramenta de trabalho costumam ser, no fim das contas, nós mesmos. E o que entregamos às pessoas pode ter um impacto muito grande – e também muito sério – em todos os aspectos de sua realidade.

Então, caso você seja um psicólogo que deseja usar a internet para aumentar sua visibilidade e conquistar clientes, fique à vontade, mas tome o cuidado de não sair apenas repetindo o que se faz por aí sem levar em conta a delicadeza de seu campo de atuação.

Lembre-se: Só por que algo é lícito e comum, não significa que te convém.

Por isso, como já trilhei um bocado o caminho do marketing digital e conheço bem de perto a realidade da psicologia, me atrevo a te sugerir algumas:

Dicas simples para você não fazer feio com Marketing Digital

O repertório de ferramentas, técnicas e badulaques do marketing online é vasto. Muito vasto.

Então, dependendo da fonte – guru – que você escolher para estudar sobre o tema, você vai encontrar sugestões que são, no meu ponto de vista, mais ou menos adequadas à realidade dos psicólogos.

E quando encontrá-las, o que você deve fazer é colocar seu senso crítico para funcionar e filtrar aquilo que, mesmo sendo interessante do ponto de vista de mercado, não fica tão bem para a imagem de alguém que trabalha com a saúde emocional dos outros.

Mas como saber?

Geralmente a intuição e o bom-senso dão conta de nos avisar, mas para ficar bem claro minhas sugestões práticas são:

Marketing Digital: Coisas que você pode – e deve – fazer:

  • Defina um público alvo – nicho – para focar sua atuação

Não seja um psicólogo generalista, daqueles que tem um cartão de visitas bonitinho e atendem a todo mundo. A psicologia é muito ampla. Escolha uma necessidade específica das pessoas e ofereça uma solução. Isto te posiciona como uma referência em um campo mais restrito, e potencializa muito suas ações de marketing.

  • Crie uma comunidade no Facebook e comece a postar para construir sua audiência

Você não vai fazer terapia com as pessoas pelo Facebook, vai apenas dar informações interessantes, úteis e até divertidas sobre o tema – nicho – em que você escolheu atuar. Isto vai fazer com que você comece a construir um público para seus serviços.

  • Construa um site de autoridade, bem feito, com muita entrega de conteúdo

O futuro do marketing digital é a entrega de conteúdo. Textos, artigos, vídeos, tudo que possa enriquecer o universo de seu público é válido. Não faça um site cartão de visitas, daqueles que só mostram seus serviços e não agregam nenhum valor à vida do leitor.

  • Produza uma recompensa digital para captar e-mails e construir uma lista de pessoas

Oferecer algum e-book, guia ou vídeo aula para seu público, é uma forma honesta e legítima de começar a construir um relacionamento de longo prazo com eles. Para obter a recompensa, eles deixam o e-mail, e consequentemente começam a receber seus conteúdos.

  • Transforme seu conhecimento em diferentes opções de serviços e produtos

Psicoterapia é bom, mas não é tudo. Escrever livros, criar cursos, workshops e treinamentos – online ou presenciais – é uma excelente ideia para mudar a vida das pessoas. E o melhor é que estes produtos ainda podem, indiretamente, trazer pessoas para a clínica.

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Pois então, todas as ações acima fazem parte da cartilha do marketing digital. Elas são interessantes, apresentam resultados fantásticos, e podem tranquilamente ser aplicadas por psicólogos.

Agora vamos dar uma olhada no outro lado da moeda.

Aqui embaixo estão algumas iniciativas que você já deve ter visto por aí, e que embora sejam aceitas como naturais e “do jogo” – advogo que você, na condição de psicólogo, NÃO deveria adotar em hipótese alguma. (No fundo eu acho é que ninguém deveria adotar, mas fazer o quê…)

Marketing Digital – Coisas que você NÃO deve fazer:

1- Começar a mandar e-mails com títulos escandalosos para atrair a atenção:

  • Abra este e-mail AGORA se quiser mudar sua vida!
  • Você vai se arrepender se não ler isto IMEDIATAMENTE!
  • Não acredito que logo VOCÊ vai ficar de fora! (Sim, eu vou)

2- Usar linguagem claramente falsa para tentar jogar com as emoções das pessoas:

  • Olá, estou te mandando este e-mail para poder dormir com a consciência tranquila, é sua última chance de comprar.
  • Estou muito triste com você. Você não divulgou nossa oferta especial…
  • Olá, deixei de ficar com minha família para preparar esta aula para você e … (E daí? Problema seu.

3- Tentar vender ostensivamente, numa postura excessivamente comercial;

  • Peça um cartão de crédito emprestado de um vizinho, mas não perca esta chance! (Acredite, eu ouvi isso durante uma palestra online que um parceiro fez para vender um curso meu.)
  • Se você perder esta chance, não sei quando o curso/seminário/workshop vai acontecer novamente! (Ah, você sabe sim!)

4- Mentir sobre o número de pessoas interessadas em seus produtos ou participando de suas palestras online:

  • Faltam 30 minutos, a sala online já lotou, estou aumentando a capacidade! (Mentira, estas salas não têm limite.)
  • Só restam mais 3 vagas para o treinamento! (Quando restam quase todas.)
  • Tenho recebido vários e-mails pedindo informações. (Quando recebeu um ou dois, ou nenhum.)

Pois então, se não estiver acostumado com o mundo do marketing digital, talvez você esteja lendo e se perguntando, estarrecido:

Mas será que alguém realmente faz isso?

Acredite, fazem. E fazem muito.

Só que não é necessariamente com más intenções.

A maioria dos empreendedores digitais que você encontra por aí, realmente acredita que seu produto ou serviço pode mudar a vida das pessoas e tem muito compromisso com a qualidade do que entrega.

Só que eles usam as técnicas acima para chamar mais atenção. Para jogar com a percepção das pessoas e fazê-las comprar por impulso algo que, em última instância, será positivo para elas.

É o famoso caso do: Os fins justificam os meios.

Não é que você “engane” as pessoas, você apenas faz uma “jogada perceptiva” com a informação para tornar tudo mais atraente.

Pois eu repito: Não faça.

Usar técnicas de venda e persuasão – conhecidas como gatilhos mentais – é legal, mas em nosso caso, não pode ser qualquer técnica, e definitivamente não é de qualquer jeito.

Somos psicólogos.

Pela natureza de nosso serviço, acredito que devamos manter certa elegância e serenidade mesmo quando quisermos aproveitar o melhor do repertório disponibilizado pelo marketing digital.

Temos sim o objetivo de fazer com que as pessoas entrem em nossas listas de e-mail, participem de nossas palestras online e até mesmo comprem nossos produtos e serviços, mas é preciso fazer isso – como diria meu falecido avô – com classe.

O perigo não é simplesmente parecermos ridículos e desesperados, mas também ultrapassarmos limites éticos e conquistarmos a antipatia das pessoas.

Quer ver um exemplo de marketing aplicado de forma inadequada?

Um destes novos gurus que está lançando produtos para psicólogos, anunciou, em maio de 2015, seu programa de treinamento. Até onde sei, é uma pessoa bem-intencionada, e apesar de não ser psicólogo, me parece que tem valor a agregar.

Só que ele fez tudo de maneira tão “receita de bolo”, tão copy &paste, que no fim das contas, a percepção de alguns foi de que o foco estava mais em vender do que em ajudar de verdade.

Palestras interrompidas no meio para vender o produto (durante 45 minutos), e-mails com tom apelativo , inverdades sobre o número de participantes nas palestras online e por aí vai.

Entenda: Tudo o que ele fez seguiu razoavelmente a receita padrão do marketing digital, mas faltou ali bom senso, tato e sensibilidade para com seu público.

Neste caso, o público era formado por psicólogos. E psicólogos, nós sabemos, não querem ficar podres de ricos e lotar absurdamente seus consultórios. Eles só querem ser felizes fazendo o que amam e ter alguma prosperidade com isto.

Eles também não apreciam uma linguagem excessivamente comercial ou administrativa. Na verdade, isto mais os afasta do que atrai.

Entende a delicadeza da situação?

Da mesma forma, os clientes que tendem a se interessar pelos serviços e produtos dos psicólogos, costumam apreciar uma abordagem mais serena e elegante, sem a linguagem agressiva de vendas que se costuma usar neste meio.

E é este o recado que quero deixar para você aqui:

O marketing digital, com suas ferramentas e técnicas, é uma oportunidade fantástica para nós psicólogos construirmos reputação e vendermos produtos e serviços (incluindo a psicoterapia), mas ele deve sempre ser usado com muito discernimento e sabedoria, sob pena de ignorarmos a peculiaridade de nosso serviço e acabarmos sendo, além de chatos, antiéticos.

Por isso estude, aprenda e aplique o marketing digital para empreender com a psicologia, mas jamais deixe de considerar a natureza tão especial deste trabalho que desenvolvemos.

É uma questão de lógica: Não dá para repetir a receita sem analisar com cuidado a realidade de seu público.

Você não vende frango congelado, curso de culinária nem roupa da moda. Você trabalha com as angústias, emoções e sentimentos de seres humanos. E isto, creio que eu não preciso nem te dizer caro psicólogo, faz TODA a diferença.

Se você concorda comigo, deixe sua opinião aí embaixo. Se não, será muito bem-vindo também!

Até mais.

AUTOR

BRUNO SOALHEIRO

Desde 2003, quando se graduou em Psicologia, aborreceu-se com o fato de o curso não enfatizar nenhum aspecto mercadológico da profissão, o que fazia com que a maioria dos psicólogos acabasse tendo que abandonar a carreira ainda no início.

Um belo dia, em 2014, após 11 anos de experiência no mundo das organizações, trabalhando em multinacionais e como consultor, decidiu fazer algo sobre aquele “incômodo” do passado, e começou um projeto que tem como missão transformar a maneira como a sociedade percebe e consome os serviços de Psicologia no Brasil e no mundo.

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