Convido você a pensar sobre ética.
Nesse momento, peço que você apenas perceba quais são as imagens que vêm à sua cabeça quando você ouve essa palavra. Ética.
Não posso ter certeza do que você pensou, mas é possível que tenham vindo pensamentos a respeito de valores morais, aspectos da nossa profissão, como o sigilo e manejo, ou algo relacionado aos escândalos de corrupção e a chamada falta de ética dos políticos.
Como disse, não tenho como adivinhar o que você pensou, mas tenho total certeza de que você usou algum conceito de ética para visualizá-la na prática. Será a partir daqui que vou tentar mostrar a você como a ética é intimamente ligada à nossa profissão, mas de uma forma bem diferente do que é ensinada.
Começarei definindo ética, cujo conceito é constantemente associado ao de moral.
Muitos as colocam como sinônimas, mas eu acredito que diferenciá-las é de extrema importância. Aqui, darei a minha definição de ética e moral. É até estranho escrever “minha definição” sendo acostumado pela academia a compulsoriamente citar alguém para validar o que falo. Quando digo que a definição é minha, quero dizer que não tem uma fonte específica, mas é um fruto de horas de estudo.
Certo x errado
Entendo ética e moral como referentes ao certo e errado.
A sutil e ao mesmo tempo abismal diferença entre elas é que a moral trata do que é certo e errado e a ética é uma reflexão sobre o porquê algo é certo ou errado. Até aqui, nenhuma grande novidade e muito menos um sinal do que é a tal cultura profissional introjetora do título.
Voltemos ao início do texto, quando pedi para você visualizar a palavra ética. A maioria das pessoas, psicólogas ou não, associa ética ao que é correto, justo, enquanto que o errado recebe o título de antiético. Mas o certo e errado, segundo a definição que estou propondo, não seria a moral? Se ética é reflexão, alguém antiético refletiu errado? Refletir errado… isso existe? Então, antes da reflexão, já existia um certo e errado a priori? E quem decidiu essa verdade? Aos interesses de quem ela serve?
Colocar ética e moral como sinônimos pode ser bastante conveniente porque elimina a etapa da reflexão, o que é um paraíso para os introjetores, aqueles que querem apenas as verdades, sem precisar mastigá-las. Falando da nossa prática profissional, muito mais fácil que refletir é perguntar se pode ou não dar o número de celular para o consulente, se pode falar algo engraçado durante a sessão ou qualquer coisa que seja.
Não que você não possa saber a opinião de pessoas mais experientes, mas colocar o que elas falam como única verdade e, pior, colocar algo diferente disso como antiético é muito perigoso. Quando você pula a etapa ética, você está cedendo aos interesses de alguém que deseja que algo seja verdade.
Cuidado!
Se você observar as dúvidas dos estudantes ou psicólogos inexperientes, fica nítido o quão frequente é a demanda por uma verdade absoluta. É possível traduzir suas inquietações como “diga-me a verdade para que eu não seja antiético”.
Como lidamos em nossa profissão com algo muito precioso, a psique humana, os(as) professores(as) muitas vezes estimulam essa dependência intelectual dos(as) alunos(as) com o receio de que pensem por si mesmos e façam alguma besteira. Em outras palavras, parece melhor formar alguém que tenha um pensamento que siga regras pré-etabelecidas do que pessoas que aprendam a pensar por si mesmas.
Escolha sua Ética. (Sim, existe mais de uma)
Tentei mostrar nesse texto como o conceito de ética atravessa nossa prática profissional. Devido ao receio de prejudicar aqueles que procuram os serviços psicológicos, uma cultura profissional introjetora foi se cristalizando. Taxando comportamentos como éticos ou antiéticos, a etapa de reflexão foi jogada fora.
Gostaria de fechar o texto abrindo uma questão para você pensar.
Existem, pelo menos, duas éticas: a consequencialista e a categórica.

A primeira, criada por Jeremy Bentham e John Stuart Mill, julga o valor da ação pelos resultados obtidos por meio dela. Já a categórica, fundada por Kant, avalia a ação pelo que ela é em si. O dilema que proponho para você refletir após a leitura é o seguinte:
Estamos em meio à Segunda Guerra Mundial e você é um judeu ou judia. A polícia nazista bate na porta da sua casa a procura do seu filho, para matá-lo. Ele está escondido no porão e você sabe disso. O policial pergunta onde seu filho está. Você diz a verdade e seu filho é morto ou você mente e salva a vida dele?
Pela ética consequencialista, você mentiria para proteger quem você ama; segundo a ética categórica, mentir é errado independente das consequências e não importa se seu filho será morto, pois você deve sempre falar a verdade.
Qual ética você seguiria? Quem escolhesse o contrário, estaria sendo antiético?