Uma questão que normalmente surge para os psicólogos quando o tema da religião chega ao dia-a-dia do trabalho é que não possuímos conhecimento suficiente sobre isso. E uma das desculpas que é bastante previsível diz respeito ao fato de que chegamos à faculdade, escolhemos uma área de atuação, com uma abordagem específica e esquecemos de estudar o que seria “secundário”.
Saímos de nossas universidades bem direcionados teoricamente, porém com pouquíssimo conhecimento de sociedade, cultura e de religião também. Ou ainda, acreditamos que religião é um tema que pertence a certas vertentes psicológicas e não a outras.
Os que trabalham com Terapia Cognitivo e Comportamento podem achar que quem comenta isso é Freud, no Futuro de uma Ilusão e, por isso, não tem base para falar do assunto. Os psicanalistas podem dizer que esse tema não afeta a eles porque Freud era ateu e associava religião à neurose. Os Junguianos, também, podem ter a impressão de que sua teoria está atrasada quanto ao tema porque a TCC está encabeçando as pesquisas em resiliência e espiritualidade.
Resumindo, é muito fácil justificar nossa falha dizendo que outra teoria vai saber lidar melhor com o tema.
É evidente que cada uma das abordagens podem ter especificidades quanto à compreensão do ser humano e da prática psicológica, mas a religião é um tema transversal a essa discussão. Pode aparecer num sonho, na relação com o pai, num problema psicopatológico, etc.
Como já conversamos no texto “O psicólogo pode falar sobre religião?”, sabemos que nossa profissão tem um histórico invisível de estudos acerca da espiritualidade. Porém, no texto de hoje vamos acrescentar ainda que nossa profissão pode ter materiais dentro da sua vertente para falar sobre o tema.
Para isso, escolhemos três grandes abordagens (Ávila, 2007) e comentaremos um pouco de como cada uma se posiciona.
Psicanálise
Sabemos que a psicanálise pode ser trabalhada a partir de diversos autores diferentes, como a Melanie Klein, Jacques Lacan, Winnicott etc. Porém, para sermos o mais abrangente possível, abordaremos sobre Freud. Este pode ser entendido em três grandes etapas: a etapa de nascimento da psicanálise, etapa de maturidade e consolidação da escola e etapa de revisão de teoria.
A primeira, que se inicia entre 1892 e 1899, corresponde ao início da teoria, quando Freud conclui a Interpretação dos Sonhos, publicada em 1900. Nesse momento, o autor está muito preocupado em elaborar o que é a psicanálise e, por isso, entra menos em contato do que é a religião.
O material acerca do assunto está em suas cartas para Fliess, a qual já aponta uma interpretação de que a religião seria uma fantasia de onipotência, criada pela projeção de desejos internos.
Somente no segundo momento, de maturidade, Freud realmente dedica-se a escrever sobre religião, tendo seu primeiro artigo publicado em 1907 sobre isso chamado “Atos obsessivos e praticas religiosas”.
Em 1910, Freud também escreve sobre o assunto e cria uma teoria a qual diz que a religião seria fundante do sentimento ambíguo de adoração/necessidade de reparação. Assim, quando chega em Totem e Tabu, consegue elaborar com mais precisão o paralelismo das exigências do tabu e os sintomas neuróticos-obsessivos, quanto a lidar com o recalque do desejo sexual, de agredir e de matar. E, para Freud, isso estaria desde o início das nossas sociedades.
O terceiro momento da teoria psicanalítica corresponde, também, ao início das Guerras Mundiais. Por conta das mudanças sociais, a pergunta de Freud acerca da religião também muda: afinal, para que servem e qual é o futuro destas? No Futuro de uma Ilusão (1927) ele responde essa questão apontando que serve para exorcizar os medos da natureza e reconciliar com a crueldade do destino.
Depois, em O mal-estar na civilização (1930) ele continua esse pensamento dizendo que a religião serve para compensar a culpa de não sermos felizes. E, em Moisés e o Monoteísmo (1939) ele fecha sua análise do tema, a partir da figura de Moisés, que analisado como um pai primitivo, de referência ao povo judeu, a qual se lembra de grandes feitos.
Psicologia analítica
Carl Gustav Jung bebeu muito da teoria psicanalítica de Freud por terem trabalhado juntos até, aproximadamente, 1914.
Porém, entre 1920 e 1924, Jung realiza uma série de viagens pelo norte da África e logo começa a observar padrões míticos nos povos em que visitou. Assim, podemos observar desde o início de sua teoria uma conexão com a religião.
Para o autor, os processos mentais ocorrem numa estrutura de quatro espaços, dois conscientes e dois inconscientes. Os dois primeiros são o eu e a persona e os últimos, o inconsciente pessoal e o coletivo.

No coletivo, Jung observa a existência de arquétipos, isso é, de imagens de caráter arcaicas que só conseguem ser demonstradas no dia a dia através de símbolos, como na religião. Alguns exemplos são a Anima/Animus, a sombra, Deus, etc.
Somente em 1939 ele sistematiza esses símbolos religiosos em Psicologia e Religião e continuou publicando esse tema até o final de sua vida. Para Jung, a religião está no campo da experiência, que não passa pelo racional, mas sim de conexão com esse inconsciente coletivo, e não numa etapa infantil do ser humano ou numa condição psicopatológica.
Behaviorismo
O Behaviorismo serve como base, ainda hoje, de muitas formas de terapias comportamentais e é evidente a importância de Skinner na criação dessa escola de pensamento. O autor em diversas obras abordou o fator religioso, mesmo que tangencialmente.
Para ele, a religião serve como reforçador ou inibidor de comportamentos e as instituições religiosas o fazem apelando para prêmios ou castigos eternos.
Outro tema que se aproxima em sua obra é o estudo dos comportamentos supersticiosos. Isso se dá quando um comportamento irrelevante coincide com uma resposta, como por exemplo, comprar um bilhete com a imagem de um santo e este ser premiado.
Para Skinner, isso faz que o indivíduo associe a resposta ao fator irrelevante e a repita com a expectativa que ocorra de igual forma, sendo uma das explicações que o autor propõe para os comportamentos religiosos.
Muitas outras abordagens
Poderíamos ainda comentar sobre outras abordagens psicológicas que se empenham em compreender ou lidar com o fenômeno religioso.
Nossa compreensão afirma a necessidade de não patologizar ou psicologizar tais fenômenos, mas focar na experiência relatada por outrem do fenômeno religioso por ele experimentado.
Mesmo que sua linha teórica seja recente, procure outras, mesmo de epistemologias diversas, que falem sobre esse assunto porque isso aparece, cedo ou tarde, no curso do seu trabalho como psicólogo.
Para conhecer mais sobre o tema, acompanhe os vídeos de nosso canal que, em breve, traremos vídeos acerca da relação entre religião e psicopatologia, atuação institucional, clínica, entre outros assuntos.

Um grande abraço!