Este artigo é baseado em uma reportagem da BBC sobre a primeira clínica do Reino Unido dedicada ao atendimento do Gaming Disorder (Transtorno de Jogo Eletrônico).

A luta contra o transtorno de jogo em adolescentes é uma realidade crescente e complexa, que desafia famílias e profissionais de saúde mental. Relatos como o de Stephen e Louise, pais de Alex, um jovem de 16 anos diagnosticado com autismo e com um histórico de jogar compulsivamente jogos de tiro em primeira pessoa até altas horas da noite, ilustram a angústia vivenciada por muitas famílias. O caso de Alex, que passou a ser paciente da primeira clínica especializada em transtornos de jogo no Reino Unido, é emblemático.

A despeito de Alex não ter se engajado efetivamente no tratamento proposto pela clínica, seus pais encontraram um apoio inesperado em um grupo de suporte composto por outras famílias enfrentando desafios similares. As reuniões quinzenais via Zoom tornaram-se um espaço vital para compartilhamento de experiências e estratégias de enfrentamento. Este relato, evidencia não apenas o desafio individual dos jovens afetados pelo vício em jogos, mas também o impacto profundo nas dinâmicas familiares e na saúde mental coletiva.

Stephen destaca um aspecto crucial deste processo: a percepção de que não estão sozinhos. A solidariedade encontrada no grupo de suporte reflete uma realidade global, na qual inúmeras famílias buscam soluções para um problema que transcende fronteiras. A perturbação do sono, a interação familiar limitada e o estresse constante são alguns dos muitos problemas enfrentados diariamente. Estes desafios enfatizam a necessidade urgente de abordagens terapêuticas eficazes e de uma rede de apoio robusta para essas famílias, uma necessidade que os psicólogos e outros profissionais de saúde mental estão cada vez mais capacitados a atender.

O Debate sobre o Gaming Disorder e a Intervenção Clínica

A condição do transtorno de jogo, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma patologia caracterizada por controle prejudicado, priorização excessiva e escalada do comportamento apesar de consequências negativas, permanece um tópico de intensa discussão. A reportagem revelou os desafios enfrentados pela clínica especializada em transtornos de comportamento, parte do Centro Nacional para Adições Comportamentais no Reino Unido, que atende predominantemente a adolescentes com compulsão extrema por jogos eletrônicos.

Os comportamentos observados nesses pacientes frequentemente culminam em explosões de raiva e conflitos com pais ou responsáveis, chegando a ameaças de suicídio caso sejam privados de seus consoles ou computadores. Suas interações sociais tendem a se limitar ao ambiente virtual.

Dentro do contexto clínico, a Dra. Rebecca Lockwood, psicóloga clínica consultora, destaca a gravidade dos sintomas associados ao transtorno, que incluem dificuldades significativas no manejo das emoções, ansiedade, humor deprimido e perda de sono. Esses sintomas podem ser exarcebados pela necessidade de se conectar com jogadores em fusos horários diferentes.

Becky Harris, gestora e terapeuta familiar da clínica, relata o atendimento a mais de 300 pessoas, com uma marcante predominância do gênero masculino e uma ampla faixa etária entre os pacientes. As sessões de terapia por vídeo têm se mostrado um recurso eficaz para alcançar pacientes relutantes ou com baixa motivação para o tratamento presencial.

O desafio permanente para os profissionais de saúde mental é determinar o limiar entre o hobby e o comportamento problemático. Enquanto os jogos eletrônicos são uma forma de lazer e socialização para milhões, o transtorno de jogo evidencia um padrão comportamental disruptivo e deletério que demanda uma resposta terapêutica estruturada. A clínica londrina, pioneira no tratamento deste transtorno, torna-se assim um modelo de intervenção clínica frente a esta condição controversa.

Distinção entre Lazer e Dependência: A Perspectiva Clínica sobre os Jogos Eletrônicos

A relação entre jogos eletrônicos e bem-estar tem sido uma área de intenso estudo, especialmente diante do aumento significativo de jogadores durante a pandemia, com 62% dos adultos no Reino Unido engajados em jogos de vídeo. Pesquisas recentes, como as conduzidas pelo Internet Institute da Universidade de Oxford, apontam que os jogos podem ter um impacto positivo no bem-estar dos usuários. O Diretor de Pesquisa do instituto, Prof. Andrew Przybylski, argumenta que não há evidências científicas quantitativas que atribuam danos psicológicos específicos aos jogos, ressaltando que diversas atividades, quando praticadas em excesso, podem levar a problemas semelhantes.

Na clínica do Centro Nacional para Distúrbios de Jogo, Becky Harris enfatiza que a posição da instituição não é contrária aos jogos eletrônicos, mas sim focada naquele pequeno percentual de indivíduos cuja qualidade de vida e funcionalidade são severamente impactadas pelo uso excessivo. A clínica reconhece a importância dos jogos como um aspecto positivo na vida de muitos, enquanto também oferece tratamento para aqueles em situação de dependência.

O relato de um ex-paciente, Mike, que chegou a jogar “World of Warcraft” por até 14 horas diárias e cujo hábito prejudicou suas relações familiares e acadêmicas, exemplifica o potencial transformador da terapia. Após um curso de oito semanas, Mike reduziu significativamente o tempo dedicado aos jogos, o que resultou em melhorias substanciais em suas relações interpessoais e em seu percurso de vida.

Histórias como a de Mike servem de alento para pais como Stephen e Louise, que veem na experiência de outros a esperança para o futuro do filho. Louise, ao acompanhar adultos que compartilham características com seu filho através das redes sociais, encontra otimismo e insights valiosos, nutrindo a crença de que é possível encontrar um equilíbrio e uma resolução para as questões associadas ao transtorno de jogo.

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