As mídias desempenham um papel central em nossa vida cotidiana, e entender os mecanismos que moldam nossa percepção da realidade torna-se imperativo. Foi em 1969 que o estudioso da comunicação, George Gerbner, apresentou ao mundo a “Teoria do Cultivo”. Esta teoria foi concebida para elucidar como a mídia de massa, e a televisão em particular, influencia as pessoas ao longo do tempo.

Gerbner propôs uma ideia intrigante: a televisão, ao transmitir mensagens homogêneas sobre temas como crime e violência, faz com que seus espectadores, especialmente os mais assíduos, adotem uma compreensão compartilhada da realidade social. Este entendimento é, em grande medida, moldado pelas mensagens que absorvem constantemente através da programação televisiva.

Hoje, décadas depois de sua concepção, a Teoria do Cultivo ainda ressoa fortemente no campo da Psicologia da Mídia e entre outros pesquisadores da mídia. Ela representa uma via essencial de investigação sobre como a exposição prolongada à mídia influencia nossas visões de mundo.

Teoria do Cultivo: Origens, Proposições e Continuidade no Mundo Moderno

A Teoria do Cultivo foi concebida na década de 1960 por George Gerbner, em contraste com as pesquisas sobre os efeitos da mídia da época. Estas últimas focalizavam predominantemente os impactos de curto prazo resultantes da exposição a um único material midiático. Gerbner, por outro lado, desejava aprofundar-se nas repercussões de longo prazo da mídia de massa como um todo.

Com uma abordagem inovadora para a época, ele afirmava que a televisão havia se tornado o principal sistema narrativo para a transmissão de mensagens ao público. Tais mensagens, segundo ele, cultivavam no coletivo uma consciência comum sobre diversos aspectos da existência humana.

Para Gerbner, o foco não estava em programas específicos de televisão ou nas interpretações individuais dessas mensagens, mas sim nos padrões amplos que permeavam a programação. Ele destacou que, mesmo que à primeira vista programas variados parecessem distintos, muitos deles apresentavam representações similares da realidade social.

Análises de conteúdo, por exemplo, revelaram que há diferenças marcantes entre o mundo retratado na televisão e o mundo real. Enquanto na TV a violência é mais presente, há uma super-representação de profissionais como advogados, médicos e policiais, e também uma exagerada exposição da riqueza e opulência.

A assertiva central da Teoria do Cultivo é que a consistência dessas mensagens modela a percepção pública compartilhada do mundo real. Esta teoria, ao longo dos anos, consolidou-se como uma das mais citadas no campo das pesquisas sobre mídia.

Um ponto notável é que, apesar de o cenário televisivo ter mudado significativamente desde os tempos de Gerbner, a atividade de assistir televisão ainda ocupa um lugar de destaque entre os consumidores de mídia. Em 2020, por exemplo, americanos dedicaram, em média, 3,1 horas por dia a essa atividade, englobando TV ao vivo, DVDs e streaming.

Vale ressaltar que, mesmo com a diversificação de programas, a televisão ainda é controlada por um número restrito de empresas focadas no lucro. Como Gerbner observou em 1998, a tendência dessas empresas em produzir programas para audiências globais reduz a diversidade das mensagens transmitidas, reforçando os postulados de sua teoria.

Expansões na Teoria do Cultivo: Mainstreaming e Ressonância

A Teoria do Cultivo não permaneceu estática desde sua concepção por Gerbner. Ao contrário, conforme o interesse na teoria cresceu, novos conceitos foram introduzidos para proporcionar uma compreensão mais rica da influência da mídia na formação da percepção pública.

Um desses conceitos é o de “Mainstreaming”. Esta ideia sugere que telespectadores assíduos, independente de suas origens demográficas — seja idade, gênero, classe social ou raça — tendem a convergir em suas crenças sobre a realidade social. Isso implica que, apesar das visões de mundo distintas que esses diferentes grupos podem inicialmente possuir, o consumo frequente de programas televisivos leva-os a adotar perspectivas que refletem as mensagens transmitidas pela TV.

Já o conceito de “Ressonância” aborda a amplificação do impacto de uma mensagem midiática quando esta se alinha com as experiências de vida de um indivíduo. Como exemplo prático, se alguém tem uma experiência direta com um crime violento, as representações de criminalidade na TV tornam-se especialmente impactantes para essa pessoa. Isso intensifica a crença cultivada de que o mundo é um lugar intrinsicamente violento. Estudos conduzidos tanto por Gerbner quanto por outros pesquisadores forneceram evidências que corroboram esse efeito.

Ambos os conceitos, “Mainstreaming” e “Ressonância”, enriquecem a Teoria do Cultivo ao demonstrar as nuances de como as mensagens midiáticas são internalizadas e repercutem em diferentes segmentos da população e em contextos específicos de vida.

Evidências Empíricas para a Teoria do Cultivo

A Teoria do Cultivo propõe que as mensagens recorrentes veiculadas pela televisão têm o poder de distorcer as percepções das pessoas sobre a realidade social. E, ao longo dos anos, uma vasta gama de pesquisas têm sido realizadas para testar essa hipótese.

Diversos estudos constataram que telespectadores frequentes tendem a superestimar aspectos como taxas de criminalidade e violência, riscos associados a desastres naturais, o número de pessoas que trabalham como policiais e advogados, e a prevalência de riqueza na sociedade. Esse padrão de telespectadores formando crenças imprecisas sobre o mundo é denominado “efeitos de cultivo de primeira ordem”.

Em contraste, os “efeitos de cultivo de segunda ordem” referem-se a como as mensagens da TV podem alterar valores e atitudes das pessoas em relação ao mundo. Embora exista uma quantidade considerável de evidências apoiando os efeitos de primeira ordem, as provas dos efeitos de segunda ordem são mais escassas. Contudo, há estudos que indicam que, em comparação com telespectadores ocasionais, os assíduos têm maior probabilidade de acreditar que a maioria das pessoas não é confiável e de se sentirem mais vulneráveis ao crime. Esse fenômeno foi apelidado por Gerbner de “Síndrome do Mundo Cruel”.

Dada a relevância e interesse contínuo na Teoria do Cultivo, as pesquisas continuam a evoluir e a explorar novos territórios. Recentemente, pesquisadores começaram a investigar como outras formas de mídia, incluindo videogames, aplicativos móveis e redes sociais, podem influenciar as percepções de realidade dos usuários. Por exemplo, uma pesquisa identificou uma correlação entre o uso intensivo de aplicativos de relacionamento por homens gays e suas atitudes sobre masculinidade, assimilação de preconceitos sobre a comunidade gay e insatisfação corporal. Da mesma forma, outro estudo concluiu que usuários frequentes do Instagram possuíam visões distorcidas sobre a aparência física de estranhos e apresentavam maiores tendências a distúrbios alimentares.

Teoria do Cultivo nas Redes Sociais

As redes sociais tornaram-se um elemento fundamental na vida moderna, e, consequentemente, um ponto de interesse crescente no campo da psicologia da mídia. O impacto das redes sociais na percepção da realidade dos usuários tem suscitado debates e pesquisas, particularmente à luz da Teoria do Cultivo.

1. A Essência da Teoria do Cultivo nas Redes Sociais – Semelhante ao seu entendimento original, a Teoria do Cultivo, quando aplicada às redes sociais, propõe que uma interação prolongada com plataformas de mídia social pode moldar a percepção da realidade dos usuários. Não se trata apenas da quantidade de tempo gasto, mas do tipo de conteúdo consumido e da repetição de determinados temas e representações.

2. Percepções Distorcidas da Realidade – Assim como a televisão pode influenciar as percepções sobre violência, riqueza e profissões, as redes sociais têm o potencial de distorcer as visões dos usuários sobre normas sociais, valores e comportamentos. Por exemplo, uma exposição contínua a imagens de “vidas perfeitas” pode levar a comparações sociais prejudiciais e a um sentimento de inadequação.

3. Imagem Corporal e Redes Sociais – Um domínio específico em que a Teoria do Cultivo foi aplicada é o estudo dos efeitos da imagem corporal nas redes sociais. Pesquisas indicam que navegar por determinados tipos de conteúdo, especialmente aqueles que enfatizam padrões de beleza inatingíveis, pode relacionar-se a visões distorcidas sobre a aparência física. Isso não se limita apenas a influenciadores e celebridades; até mesmo a curadoria de imagens entre pares pode cultivar normas e expectativas irrealistas sobre aparência.

4. Considerações Finais – Enquanto a Teoria do Cultivo nasceu no contexto da televisão, sua aplicação às redes sociais demonstra sua relevância contínua. No entanto, é essencial considerar as especificidades e nuances das plataformas de mídia social. A interatividade, a cocriação de conteúdo e a personalização são características distintas das redes sociais que podem influenciar como os usuários interpretam e são afetados pelo conteúdo que consomem. Assim, embora os princípios centrais da Teoria do Cultivo se apliquem, sua manifestação nas redes sociais pode ser complexa e multifacetada.

Críticas à Teoria do Cultivo

Embora a Teoria do Cultivo ocupe uma posição de destaque no estudo da mídia, ela não está isenta de críticas. Aqui, exploraremos algumas das objeções mais significativas levantadas por acadêmicos e pesquisadores.

1. Teoria do Cultivo e o Telespectador Passivo – Uma das principais críticas à Teoria do Cultivo é a sua tendência em tratar os telespectadores como consumidores passivos de mídia. O foco primordial de Gerbner era nas mensagens transmitidas pela televisão, o que levou à suposição de como os telespectadores responderiam a essas mensagens, em vez de investigar o comportamento real dos espectadores. Apesar dessa limitação teórica, a vasta evidência de pesquisa em favor da Teoria do Cultivo sugere que as mensagens da mídia de massa influenciam, de fato, os consumidores de maneira geral.

2. Falta de Diferenciação entre Gêneros Televisivos – Outra crítica pertinente se refere à generalização que Gerbner fez ao analisar a televisão, sem considerar as nuances entre diferentes programas e gêneros. Embora Gerbner tenha argumentado que era o sistema geral de mensagens da TV que importava, pesquisas mais recentes, sob a perspectiva do cultivo, têm se debruçado sobre o impacto da exposição intensiva a gêneros específicos ou até mesmo programas individuais.

Esses estudos revelam que a exposição a diferentes gêneros pode ter um impacto ainda mais significativo nas percepções da realidade social do que o consumo geral de TV.

A validade dessas críticas enfatiza a importância da evolução constante na pesquisa em psicologia da mídia, considerando as complexidades do consumo de mídia e os variados efeitos que ela pode ter sobre os indivíduos e a sociedade.

Fontes: Verywellmind, SimplyPsychology

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