Tudo bem, usar a palavra “cientista” para titular este texto pode ser um exagero da minha parte. Mas, a priori, foi a que melhor encontrei para dar força à importância de se respeitar a gama de conhecimentos que a Psicologia construiu e vem construindo até então. Fique à vontade para trocar cientista por pesquisador, entusiasta de conhecimento, ávido por cultura geral, como quiser.
O ponto de análise aqui é a construção de conhecimentos dentro das organizações, com a ótica da psicologia científica.
Se por um lado o mundo das organizações tem buscado maneiras de deixar os ambientes de trabalho mais softs, por outro, existe um aspecto em que ele é muito duro: na visão pragmática e objetiva sobre tudo.
Mas vamos lá.
A Psicologia lida com o que tem de mais subjetivo no ser humano, a psique. Não estou falando de comportamento, hábitos, padrões. Estou falando da psique, essa palavra curta, e que se lermos 3 autores diferentes, teremos 3 definições distintas dela.
O “duro”, aqui, se trata daquilo que os sociólogos chamam de “ciência da matéria” ou do “tangível”. Psique não é tangível. Psique não é cérebro. Psique é um campo de existência. Algo que integra tudo aquilo que se percebe, com tudo aquilo que não se percebe, dentro e fora de si, dando ordem ao passado e ao futuro, e às experiências afetivas. Tudo isso ao mesmo tempo e sem necessariamente controle consciente sobre os acontecimentos.
Isso faz da Psicologia algo mais nobre que as ciências tangíveis?
Claro que não. Se as ciências duras fossem ruins, continuaríamos vivendo até 40 anos de idade, sendo verdadeiros anciãos se chegássemos aos 50! Pior ainda seria digitar este texto em máquina de escrever! 😛
E é claro que, com aquilo que descobrimos na Psicologia até então, conseguimos entender alguns padrões, formas de aprendizagem e até mesmo um pouco do misterioso inconsciente. Ainda assim, nosso campo de análise continua no universo subjetivo.
E se é subjetivo, como mensurar, por exemplo, os resultados de um trabalho psicoterapêutico?
Bem, podemos ter várias respostas: diminuição ou eliminação de sintomas, mudança no comportamento, melhoria no relacionamento interpessoal e por aí vai. Porém, quem nos indica, direta ou indiretamente que está melhor, é o paciente. Ou seja, a indicação da melhoria está na experiência pessoal de quem nos relata, que invariavelmente, para nós, será subjetiva.
A subjetividade está na Psicologia. Ponto. E se ela faz parte da nossa atuação no mundo, não devemos refutá-la, e sim acolhê-la!
Outro dia li o texto de um psicólogo que dizia algo assim: “Fazemos nosso trabalho baseado em evidências concretas…”. Com respeito à visão do colega, mas desculpem, onde está, por exemplo, a evidência concreta de um sonho contado por um paciente? Ele é sim uma evidência, que vem do relato, porém, permeada pela subjetividade de quem relata e de quem escuta.
Áh ok, você considera o conceito de inconsciente uma pseudociência, portanto prefere as abordagens comportamentais, certo? Então me explique: de onde surgiram os padrões de comportamento que a pessoa apresenta? Que tipo de experiência SUBJETIVA ela passou que gerou essa situação?
Entendi. Nesse caso precisamos olhar os neurotransmissores. Diminuiu dopamina, aumentou serotonina, e genética também contribui. Certo. Então, por que pessoas, de genéticas semelhantes, podem apresentar respostas comportamentais diferentes perante o mesmo estímulo?
A subjetividade está na Psicologia e a meu ver, o grande diferencial de um bom psicólogo, é saber acolher e entender a subjetividade do outro, usando sua própria subjetividade como parâmetro de análise. Freud chamaria de contratransferência. Aliás, essa é a razão de tanto se recomendar a psicoterapia para todos os Psicos, para não transferir o que é nosso para o paciente!
Pois bem, mas o que tudo isso tem a ver com o mundo do trabalho?
No mundo do trabalho somos obrigados a trazer a objetividade em tudo. O ambiente nos empurra para o objetivo. Quais são os resultados? Qual é a métrica? Qual é o turnover? Quantas efetivações de estagiários tivemos? Qual foi o retorno sobre o investimento? Qual foi o desempenho da pessoa no ano? Estamos usando o conceito de SMART (specific, measurable, attainable, relevant, time based)?
E claro, o que fazemos perante tudo isso?
Aceitamos. Entramos no jogo.
Isso é errado?
Claro que não. Precisamos trabalhar, ter nosso sustento, atuar em algo que nos faça bem e feliz. Mas com o passar do tempo, vamos nos deixando levar e esquecemos daquilo que, um dia, foi uma das razões de buscarmos nosso curso superior: entender pessoas.
O mundo das organizações quer entender as pessoas até o ponto que isso gere lucratividade e resultado, tornando o ambiente bom para elas, para que se sintam felizes. Oferecem recompensas além do salário: carro, combustível, viagens, status, promoções dentre outros. É o subjetivo que precisa atuar para o objetivo. Fórmula difícil.
Com sorte, boa parte das empresas tem percebido, muito devagar, que dar espaço para que a subjetividade das pessoas floresça, pode até ser lucrativo, pois dá voz à criatividade, à naturalidade, ao bem-estar, que, quando bem combinados, deixam as pessoas em suas melhores formas.
É muito mais bacana sermos criativos quando estamos de bem conosco, do que quando tudo está péssimo.
No entanto, tem algo de errado nesta equação: ONDE ESTÁ A PSICOLOGIA?
Quando falamos de administrar uma empresa, gerir pessoas, nosso discurso ainda é muito arraigado no “administrês” – neologismo que acabei de inventar para definir que usamos os caminhos traçados pela administração para tratar de pessoas – e não o caminho da psicologia.
- Guru de liderança: Peter Drucker: Administrador.
- Guru de recursos humanos: Dave Ulrich: Administrador.
- Referência em criatividade: Steve Jobs: Engenheiro. Para ficar só em três exemplos.
Não é que é proibido beber na fonte desses profissionais. É claro que devemos. Mas não se esqueça: você é psicólogo.
E você também pode dizer “mas tem os testes que têm ganhado espaço nas empresas, como o “MBTI e o Quantum”.
Ótimo. É um sinal. É um começo. Mas ainda é pouco, e testes estão longe, muito longe de avaliarem experiências subjetivas. Mensuram preferências, tendências, padrões, mas ainda assim, não têm qualquer poder preditivo 100% eficaz.
A Psicologia se inseriu no mundo das organizações meio que por acaso (veja nosso primeiro vídeo para este canal, onde abordamos o tema). E, portanto, para usar uma palavra da moda, nunca foi protagonista. E então caímos num dilema: devemos usar dos recursos de administração para fazer nosso trabalho na empresa, ou ficar “psicologando” para pessoas que não têm o mínimo de paciência para escutar nossas indagações acerca da subjetividade?
Eu tenho duas respostas para esse dilema:
1) O título desse texto, isto é, não se esqueça que você é cientista!
Independentemente de usar um jaleco branco e de colocar líquidos coloridos num tubo de ensaio. A sua formação superior é pautada em pesquisas históricas, numa ciência viva, que evolui junto com as pessoas.
É seu papel defender a Psicologia e utilizá-la de maneira propositiva e positiva.
Como?
Primeiramente se preparando intelectualmente, se apropriando das teorias e práticas de suas preferências. Participe de congressos presenciais e online para saber o que tem de novo no mercado. Exemplo: em Fevereiro/17 (escrevo este texto em Dezembro/16), terá um congresso sobre gestão de pessoas em Campinas-SP, onde diversos figurões abordarão o tema. Participe, se atualize constantemente.
E outro ponto muito importante é: esteja com sua terapia em dia. Não podemos ter o direito de nos sentir aptos a ajudar as pessoas sob o prisma da Psicologia, sem termos explorados o mundo subterrâneo de nossa própria psique, seja este apoio oferecido na prática clínica ou nas empresas.
2) Conscientizar as pessoas.
Não pela verborreia, e sim pelas suas ações, mostrando que seus conhecimentos de Psicologia têm aplicabilidade no mundo, e que mesmo sendo uma ciência essencialmente subjetiva, tem muito a contribuir para a melhoria nos ambientes profissionais, seja em formas de se gerir pessoas, em novos modelos de relações de trabalho ou novos modelos organizacionais.
E para que isso tome forma, é preciso voltar ao item 1, ou seja, se preparar e agir.
Para incrementar o seu discurso, busque exemplos que tenham resultados comprovados, como o modelo de estrutura em hierarquia horizontal da Vagas.com ou o modelo de gestão participativa da YouGreen. Em ambos os casos, os fundadores apostaram em estruturas organizacionais que valorizam a cooperação versus a competição. Não vou explicar muito aqui, justamente para que você faça suas pesquisas na internet e conheça melhor esses casos.
Faça uso desses casos, e outros quantos conhecer, para explicar aos seus interlocutores a importância da cooperação para o cultivo das emoções positivas nas relações de trabalho. Incremente seu discurso explorando situações da vida real.
Desconstrua as visões estereotipadas das pessoas acerca do comportamento humano, lançando mão dos seus conhecimentos teóricos, combinados com exemplos do dia a dia.
Na medida do possível, procure visitar outras empresas, conhecer outras pessoas, para aumentar seu repertório vivencial e integrá-lo ao seu repertório intelectual. Tem um artigo aqui na Academia que falo sobre a importância de grupos empresariais. Dá uma passadinha lá para entender melhor o papel desses grupos para sua carreira.
É preciso aprender, estudar, mas também é preciso experimentar, sentir, para que essa combinação de vivências, torne seu discurso menos verborrágico, mais coerente e convincente.
É responsabilidade de cada um de nós aumentar a força da Psicologia dentro (e fora) das empresas. E assumir que temos um papel dificílimo, que é lidar com o subjetivo do outro. Definitivamente isso não é para qualquer um.
Vamos nos orgulhar de sermos psicólogos, valorizando nossa ciência, valorizando nossa carreira.
Mas para não ficar só nos meus pensamentos, seguem recomendações de textos e vídeos que serviram de inspiração para este texto:
- Livro: O Fator Humano – Christophe Dejours
- Livro: Tipos Psicológicos – Carl G. Jung
- Livro: Fundamentos de Psicologia Analítica: Carl G. Jung
- Livro: Precisa-se (de) ser humano – Robson Santarém
- Ted Talks: The Power of Introverts
- Ted Talks: What makes a good life?
- Artigo científico da revista Psicologia, Ciência e Profissão: Patologias do Vazio: um desafio à clínica contemporânea, de Evanisa Brum.
Busque conhecimento, busque autoconhecimento.
Um abraço!