Você costuma pensar sobre envelhecimento? Sobre o seu e das pessoas ao seu redor?

E sobre o envelhecimento populacional, você já pensou?

Hoje em dia, passar dos 60 anos não é mais o “fim do mundo” ou o “fim da vida”. E isso tem a ver com o aumento da expectativa de vida em geral, não só no Brasil. Em menos de um século, ganhamos uns 20 anos a mais de vida, em média.

Agora isso pode parecer um direito adquirido, entretanto, isso nos dá a todos mais possibilidades assim como mais responsabilidades, principalmente como profissionais da área psi. Há décadas atrás, os idosos habitualmente concentravam-se em alguns lugares bem específicos: dentro de casa (ou nas calçadas), na igreja ou em clínicas médicas e hospitais.

E atualmente?

Gostaríamos de fazer a vocês um convite simples: Olhem ao seu redor! Basta uma ida ao supermercado, em uma terça pela manhã, e você verá vários idosos realizando suas compras. Na academia de ginástica também, já reparou? No trânsito é até fácil identificar aquele condutor com mais idade, não é mesmo?

Estamos envelhecendo!

Desde o nascimento, é verdade, mas aqui falamos também da realidade demográfica do nosso país. O Brasil, por tanto tempo considerado um país jovem, envelhece a olhos vistos. Os números divulgados pelo IBGE, em 2011, contabilizavam 23,5 milhões de idosos. As projeções para 2030 mostram que o número de idosos será maior do que o número de crianças com idade até 14 anos. Para 2055, a expectativa é que a população idosa supere o número de crianças e jovens com até 29 anos de idade.

Concorda com a gente que a Psicologia precisa olhar para essa transformação demográfica?

Precisamos conversar sobre envelhecimento e saúde emocional

O envelhecimento populacional nos coloca diante de desafios, tais como a mudança de estereótipos de velhice, novos papéis sociais desempenhados pelos mais velhos, novos horizontes econômicos com o adiamento da idade para aposentadoria e o nascimento de um novo público de consumidores, novas possibilidades para transformar o ócio e tempo livre em momentos de saúde e desenvolvimento pessoal, novas formas de tratar as enfermidades mais comuns entre os idosos, etc.

Para você, o que é envelhecer?

É ter cabelos brancos e rugas? É “ganhar” sabedoria? Perder a vontade de viver? Aproximar-se da morte? É tornar-se mais teimoso? Construir um patrimônio? Perder em capacidade física? É ver a vida de uma maneira mais madura? É se aceitar?

Envelhecer é um processo.

Isso quer dizer que não podemos escolher começar a envelhecer a partir de uma determinada idade. O envelhecimento começa desde o momento em que nascemos. Aquela pele de bebê novinha em folha que tínhamos aos 5 anos de idade, não é a mesma pele que temos aos 20 anos. E ao mesmo tempo, a independência e a autonomia também vão mudando à medida que crescemos e envelhecemos!

Quem nunca disse a célebre frase: “tô ficando velha(o)!” ?

O processo de envelhecimento, em geral, implica mudanças de prioridades, de percepção e até uma certa estabilidade na vida, que às vezes faz com que você nem perceba que o tempo está passando, até que você se depara com aquela maravilhosa (ou fatídica) vela enterrada no bolo.

Para algumas pessoas, o envelhecimento é como um pesadelo, um espelho maldito que reflete a imagem de um corpo que perece (alguém aí já leu “O retrato de Dorian Gray”?). Também há aquelas pessoas que tomam o passar do tempo como uma forma de serem melhores. Alguns melhoram intelectualmente, outros lidam melhor com as dificuldades da vida, outras se aceitam como são.

Há inúmeras possibilidades de envelhecer, tantas como as diferentes pessoas, culturas e idiomas que há no mundo.

Cada um de nós tem uma história que nos antecede, assim como temos um presente e um futuro por ser vividos e construídos. Então, como você quer viver o seu envelhecimento?

E como psicólogo, você vem se preparando para essa realidade?

O que queremos destacar aqui são principalmente duas perspectivas:

Uma é a que “ficar velho” não tem porque significar estagnação. O idoso é um adulto! A idade não determina o que devemos fazer com nossa vida, determina apenas o passar do tempo cronológico. Claro que não podemos viver independentemente de uma realidade sociocultural e aspectos fisiológicos, mas podemos buscar o “singular”.

O que vai determinando nossa vida é a intensidade com a qual lutamos para buscar uma autenticidade e para encontrar a melhor forma como cada um podemos amadurecer dentro das nossas possibilidades. Resumindo, façamos algo, como psicólogos e como cidadãos, para que o envelhecimento possa significar possibilidades.

O que não quer dizer em nenhum caso que signifique “win-win”, ganhar sempre.

Esse é o outro ponto que gostaríamos de comentar. Envelhecer também significa mudanças e muitas vezes perdas, além de ganhos, como: a aposentadoria, a viuvez, o ninho vazio, assumir papéis como os de avós e cuidadores de pessoas dependentes, assim como ter que conviver com sua própria perda de autonomia e algumas doenças crônicas.

É a velha frase do “todo bônus, tem um ônus”. O mais provável é que à medida que envelhecemos, ganhemos mais em serenidade e em experiência. E isso ajuda bastante a lidar com as durezas da vida. Contudo, nem sempre os ganhos superam as perdas, nem sempre nos vemos capazes de lidar com essas dificuldades associadas à idade e a última etapa da vida.

Por isso, nós como psicólogos podemos ajudar nesse processo de diversas maneiras.

E aqui surge a Psicogerontologia

Essa palavra imensa que foi criada há pouquíssimo tempo na tentativa de reunir os psicólogos interessados em estudar e promover ações voltadas para a área da Psicologia do Envelhecimento. Pois é, se a Psicologia é recente, a Psicogerontologia está apenas engatinhando. Com os anos a mais com os quais fomos “presenteados”, surgiu a necessidade de se estudar e de saber o que há no além-mar do 60 anos.

Em 2004, foi publicado pela revista American Psychologist um guia que orienta a prática psicológica com idosos. No que se refere à atuação clínica, há ênfase na importância dos psicólogos estarem familiarizados com diversos conhecimentos sobre as mudanças cognitivas, sobre os problemas e cotidiano dos idosos, sobre as especificidades das psicopatologias na fase da velhice, bem como sobre as metodologias de avaliação voltadas para este público.

Os psicólogos com formação em Gerontologia são profissionais preparados para prevenir, avaliar e realizar intervenções individuais, grupais e institucionais dirigidas direta ou indiretamente ao público de pessoas idosas. O psicogerontólogo se interessa pelas questões emocionais, comportamentais e relacionais vivenciadas pelas pessoas com mais de 60 anos.

Com seu trabalho, o psicogerontólogo pode promover o envelhecimento ativo entre os idosos que sejam mais autônomos e pode atuar na prevenção e tratamento do envelhecimento patológico.

Alguns exemplos de atividades são:

  • realização de cursos que visem à prevenção do declínio cognitivo e/ou a manutenção de determinadas capacidades cognitivas;
  • atenção às demências (avaliação e tratamento de idosos com demência, atenção aos cuidadores, orientação aos profissionais e familiares que convivem e trabalham diretamente com idosos demenciados);
  • acompanhamento em casos de perdas (de entes queridos, de papéis sociais, de autonomia, etc);
  • acompanhamento na adaptação a contextos institucionais (hospitais, centros dia, instituições de longa permanência);
  • realização de redirecionamento vital;
  • realização de projetos intergeracionais, que promovam um intercâmbio entre profissionais aposentados e profissionais mais jovens.

Um psicólogo com esse olhar gerontológico pode atuar em diferentes contextos: na clínica, na educação, empresas, trânsito, hospitalar, jurídica, etc.

Sabemos que um envelhecimento bem-sucedido é construído pela interação entre sujeito e sociedade e relaciona-se a fatores como a autoaceitação, o estabelecimento de relações satisfatórias com os outros, autonomia, a capacidade de manejar o ambiente, a construção de metas reais e de sentidos para a vida, a adoção de hábitos saudáveis, assim como a abertura a novas experiências.

Por isso nós convidamos os psicólogos e estudantes de psicologia a conhecerem um pouco mais desse universo da Psicogerontologia, um campo que ainda tem muito para ser desenvolvido no Brasil e que pode realmente colaborar para uma mudança de perspectiva do envelhecimento no nosso país.

AUTOR

SINGULAR IDADE
singular.idade.web@gmail.com

Esse é um espaço em construção, um ponto de partida e de encontro para falar sobre o envelhecimento em suas mais diversas formas. Somos duas amigas, psicólogas e apaixonadas pela Psicogerontologia, uma morando no Brasil e a outra na Espanha. Nós formamos o Singular Idade. Juliana Rêgo é especialista em Gerontologia pela Universidade de Fortaleza e Clicia Peixoto é doutoranda em Psicogerontologia na Universidade de Valência.

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