O artigo que você vai ler agora foi inspirado pela pergunta de uma leitora de minha página no Facebook.
Trata-se de um exemplo hipotético, uma história fictícia que busca mostrar de forma muito sintética todos os passos dados por uma psicóloga escolar inconformada com a realidade que encontrou à sua frente.
É importante entender, que para os propósitos deste artigo parto do pressuposto de que é também função do psicólogo escolar atuar como agente de mudanças, para isto dominando, além da competência clínica, competências da área organizacional.
Este papel é evidenciado neste artigo escrito pela professora Carmem Silvia de Arruda Andaló, da Universidade Federal de Santa Catarina.
Obviamente, por ser uma situação hipotética a realidade aqui descrita apresenta uma história de sucesso, e está bem simplificada. As mesmas iniciativas, quando aplicadas em uma situação real poderão enfrentar desafios culturais e contextuais passíveis de tornar o caminho mais fácil ou mais difícil.
De qualquer forma a ideia do artigo é mostrar caminhos através dos quais um profissional da psicologia pode transformar significativamente o ambiente de uma escola, tendo como base, principalmente, a transformação das pessoas.
Agora fiquem com a história da Paula.
Retrospectiva
Paula está na sala da diretora e neste momento acaba de receber os parabéns pelas excelentes ideias que teve e colocou em prática nos últimos meses.
Não houve nenhum aumento de salário ou premiação formal, mas o olhar de agradecimento da diretora junto à sensação de ter ajudado a modificar a realidade da escola, eram tudo de que ela precisava.
Estava feliz, muito feliz.
Ela mal acreditava no que o projeto tinha se tornado, já que quando começou a trabalhar ali, dois anos antes, a situação era completamente diferente.
Muitos dos professores se encontravam desmotivados, especialmente por causa de intrigas e panelas criadas internamente entre eles. Alguns pareciam haver perdido o gosto por ensinar, não se preocupando sequer em buscar atualização dentro de suas áreas.
A relação com os alunos era outro problema. Embora houvessem profissionais dedicados e atenciosos, uma parte considerável apresentava, claramente, pouco controle emocional em sala de aula.
Por outro lado, os alunos não também ajudavam muito. Com turmas do primário ao ensino médio, a escola vivenciava o impacto das mudanças tecnológicas e da vida moderna na realidade das crianças e adolescentes.
Baixa concentração, uso indiscriminado de redes sociais, falta de interesse e engajamento, tudo isso tornava o trabalho dos professores ainda mais complexo.
Para completar, a maioria dos pais não se fazia muito presente. E também não havia um canal claro de comunicação entre eles e os professores. As reuniões de pais aconteciam e muitos vinham, mas em diversas vezes a situação era mal conduzida ou acabava com trocas de acusação entre professores e pais.
Em resumo, Paula encontrou um ambiente escolar com uma variedade imensa de comportamentos e atitudes que claramente estavam fazendo mal às pessoas envolvidas e prejudicando os resultados da escola.

E logo após começar seu trabalho ela percebeu claramente que, se ficasse apenas em sua sala recebendo as demandas que lhe eram enviadas, jamais conseguiria mudar aquela realidade.
Foi então que ela decidiu agir.
Paula resolveu atuar pró-ativamente para transformar a realidade daquela instituição, e para isso tomou as atitudes que passo agora a narrar.
Criando um projeto de transformação
Fase 1 – A centelha
A primeira coisa que Paula fez foi conversar com a diretora e dizer que havia tido uma ideia. Queria ver se conseguiria gerar maior engajamento dos pais dos alunos através do estreitamento de relações com eles.
Para isto, ela teve a ideia de oferecer, no lugar de uma das reuniões de pais, uma palestra especial que ajudaria a sanar um pouco das dores destes pais, dando a eles conhecimento útil para lidar com o aspecto comportamental e educacional de seus filhos.
Disse que a palestra seria curta, divertida, e que se os pais não gostassem ela não tornaria a falar no assunto.
A diretora não colocou muita fé em grandes transformações, mas vendo a boa vontade da jovem, consentiu.
O primeiro passo estava dado.
Fase 2 – A palestra semente
Devidamente autorizada, Paula montou uma palestra de 45 minutos chamada: Educando com Inteligência: 5 ações para aumentar o rendimento escolar de seu filho.
Ela tomou o cuidado de elaborar uma palestra prática, com dicas bem objetivas sobre como os pais poderiam, com pequenas mudanças de comportamento, melhorar muito o rendimento dos filhos.
Era importante que a palestra fornecesse “técnicas simples” que pudessem ser aplicadas imediatamente, e não apenas aquela conversa cansada e moralista de que os pais tem que ajudar em casa.
Só que isso não era tudo, Paula também resolveu passar uma lista ao final da palestra para coletar os e-mails dos pais presentes, e depois, durante 4 semanas consecutivas, enviar a eles um texto curto e objetivo complementando o tema da palestra.
Dito e feito. A palestra teste foi feita com 45 pais de uma turma da 7ª série, e foi um sucesso.
Foram dois os motivos principais da palestra ter dado certo: Humor e praticidade.
Durante toda a apresentação Paula procurou fazer os pais rirem de situações absurdas e engraçadas da realidade escolar, e o mais importante, ela forneceu técnicas aplicáveis no dia a dia.
Em vez de apenas falar de conceitos e responsabilidades, ela orientou os pais a identificarem alguns comportamentos e a agirem de maneira muito específica em certas situações.
Em outras palavras, ela deu ferramentas!
Desta forma os pais não saíram da palestra apenas com conceitos e ideias, e sim com algo a ser realmente aplicado no cotidiano de seus filhos.
E isso faz TODA a diferença.
Fase 3 – O grupo no Facebook
Com o sucesso da palestra e o elogio dos pais, Paula decidiu avançar com seus planos e mais uma vez foi até a diretora. O motivo agora era pedir autorização para trabalhar em parceria com a equipe de comunicação e TI da escola.
Ela disse que tinha um projeto para melhorar a qualidade da relação entre os professores e alunos, e também aumentar os resultados percebidos pelos país.
Para convencer a diretora, Paula frisou que os possíveis resultados de seu trabalho seriam:
- Menos conflitos entre os próprios professores;
- Mais participação dos pais na educação dos filhos;
- Maior rendimento dos alunos;
- Melhor avaliação da escola.
Foi uma boa estratégia, pois a diretora logicamente quer que sua escola apresente resultados.
Paula convocou uma reunião com a equipe de comunicação e TI, e descobriu que se tratava de uma equipe formada por apenas uma pessoa, numa sala adaptada atrás da secretaria. Era um rapaz chamado Marcos, que entendia um pouco de informática e tinha boas noções do uso de redes sociais.
Junto com Marcos, ela criou uma espécie de boletim semanal, com e-mails dos pais que participaram da palestra, e toda semana passou a enviar algum texto bem curtinho sobre a relação pais e filhos e dicas para ajudar na questão escolar.
Mas ela fez mais que isto.
Antes da palestra, Paula percebeu que grande parte dos pais era jovem, com cerca de 40 anos, e muitos estavam em suas redes sociais com seus celulares. Então decidiu fazer o seguinte:
Ligou para todas as mães que participaram da palestra, e perguntou se gostariam de ter um espaço prático e funcional no qual poderiam tirar dúvidas e trocar ideias sobre a educação de seus filhos.
Ela resolveu se focar nas mães, pois geralmente são mais sensibilizadas em relação aos cuidados com a educação dos filhos, mas o projeto envolvia os pais também.
Metade das mães topou, e foi assim que ela criou, utilizando o Facebook, o primeiro grupo fechado para mães de alunos da escola.
O grupo era mediado por ela, que diariamente postava alguma pergunta, curiosidade, ou introduzia um assunto que poderia ser de interesse destas mães.
A intenção não era fazer com que as mães expusessem as dificuldades e problemas de seus filhos abertamente, e sim que tivessem um espaço para perguntar, ouvir, aprender.
E foi exatamente o que ocorreu.
Um mês após a criação do grupo, algumas mães já interagiam por conta própria. Muitas descobriram dificuldades em comum, e 3 já estavam pensando em marcar um encontro presencial, não só para falar dos filhos, mas também para se conhecer.
E as surpresas não paravam.
De repente as mães começaram a construir ali uma comunidade de ajuda mútua, que se refletia inclusive no ambiente escolar. Conforme foram se conhecendo, era como se passassem mais a se importar com os filhos umas das outras, e a sensação de comunidade se fortificava ainda mais.
Paula sentia que estava no rumo certo, usando uma ferramenta atual para ajudar os pais de alunos a interagirem de maneira prática e funcional.
Fase 4 – O desenvolvimento de competências
Palestras sendo feitas, canal de comunicação estabelecido, Facebook criando senso de comunidade, era hora de ir mais fundo e capacitar o elemento humano.
Paula então entrevistou professores, pais, alunos, e fez um levantamento conciso, porém relevante, das dificuldades e problemas da escola no que diz respeito à interação entre as pessoas e seus impactos no ambiente e nos resultados.
A partir deste levantamento ela identificou alguns tipos de habilidades e competências que, se fossem desenvolvidos em pais, professores e alunos, poderiam modificar muito a qualidade das relações, e consequentemente, do ensino.
Durante esta identificação, Paula separou o público da escola em quatro grupos – ou nichos – que apresentavam necessidades relativamente diferentes:
Pais, professores, alunos e funcionários da administração.
A partir daí ela decidiu elaborar, com a ajuda de alguns professores, diferentes treinamentos para estes públicos. Entre eles:
- Conflito zero: como usar o diálogo de forma inteligente para resolver problemas sem gerar discórdia;
- Controle emocional: Estratégias e ferramentas para se manter equilibrado nos ambientes mais adversos;
- Futuro profissional: Como seu desempenho escolar pode afetar o resto de sua vida;
- Produtividade e organização: Otimizando o tempo e conseguindo resultados mais rapidamente;
- Aprendizado no século 21: como montar aulas criativas e interessantes do início ao fim;
- Seu filho e os estudos: Como incentivar de forma inteligente e positiva.
Obviamente, Paula precisou de um tempo para pesquisar sobre estes assuntos, e contou com a ajuda da equipe pedagógica. Ela atuou mais como uma organizadora de esforços, gerenciando o projeto de criação, o calendário anual e a execução destes cursos.
Com a autorização da diretora, ela montou uma força tarefa para se dedicar a esta política de capacitação, escolhendo os professores e coordenadores mais engajados com a causa da escola. Os cursos tinham cargas horárias médias de 4 horas, para que fossem sucintos e objetivos.
Como resultado, nos 4 primeiros meses após o início dos trabalhos, vários professores, alunos e pais já haviam passado por cursos, e algumas evoluções já poderiam ser vistas.
Para mensurar o progresso, mesmo que em termos subjetivos, a psicóloga fez uma pesquisa simples, através de uma curta entrevista, antes dos treinamentos e um mês após sua aplicação. A ideia era perceber se, tanto na opinião dos participantes quanto de outras pessoas, algo havia mudado.
Atenção: tais treinamentos não desconsideram a dimensão subjetiva e a complexidade do ser humano. O que eles fazem é apresentar ferramentas e conceitos de aplicabilidade imediata, que podem, quando bem compreendidos e aplicados, aprimorar a qualidade das relações entre as pessoas e melhorar os resultados em diversas atividades que se desempenhe.
Certamente, casos especiais continuarão precisando de atenção e orientação individual para que possam apresentar mudanças para melhor.
Fase 5 – A grande ideia
Já se passaram 8 meses que tudo teve início.
A palestra original acabou sendo feita para pais de várias outras turmas, e 3 grupos de pais já haviam sido criados no Facebook. Os treinamentos, embora não tenham feito milagres, já mostravam seus resultados, e embora os conflitos e dificuldades existissem, toda a escola já estava permeada pela ideia de que a realidade estava mudando e de que haviam achado um caminho.
Foi então que Paula fez o grande movimento.
Com o prestígio já conquistado a partir das ações anteriores, ela conseguiu reunir numa sala a diretora, a vice-diretora e as principais lideranças da escola.
Na pauta: Projeto Educação Parceira
O projeto consistia na promoção do conceito de parceria entre pais e escola, e na inserção de todos os colaboradores no processo educacional. Do jardineiro à diretora, cada pessoa tem responsabilidade na manutenção de um ambiente escolar saudável.
Como estrutura para as ações do projeto, foi proposta a criação de um website funcional que serviria como um portal de interação entre pais, alunos e professores.
Não se tratava de um site “cartão de visitas”, e sim de uma plataforma de interação na qual:
- Professores poderiam acessar textos e referências sobre suas áreas técnicas específicas, além de material sobre comportamento e como lidar com os alunos;
- Pais poderiam ter acesso aos conteúdos das palestras e sugerir ações de melhoria para a escola;
- Pais, professores, funcionários e alunos seriam avisados sobre os eventos educacionais e treinamentos;
- Vídeos educacionais, feitos pelos professores, seriam postados, com dicas de estudo sobre as matérias específicas;
- Os acessos às diferentes comunidades de pais no Facebook estaria disponível lá
- Guias simples – em forma de e-books – para pais, professores e funcionários, seriam colocados lá, tratando de diversos assuntos relevantes;
- A agenda anual de treinamentos para pais, professores, e alunos seria exibida;
- Haveria uma newsletter quinzenal, com novidades, dicas, vídeos e artigos.
- Testes e curiosidades sobre aprendizado e relação pais e filhos, professor e aluno, seriam disponibilizados.
O site seria um grande portal interativo que reuniria conhecimento e uniria as pessoas em torno do conceito de educação parceira.
A parte operacional seria conduzida pela “equipe” de comunicação ( de uma pessoa só), e uma mini equipe, composta pela psicóloga e duas coordenadoras iria se responsabilizar pelo conteúdo.
Mas Paula sabia que simplesmente fazer um site e colocar no ar não seria o suficiente. Era preciso avisar e engajar as pessoas.
Como uma estrutura básica de comunicação já havia sido criada através de e-mails, Paula disse que começaria pelo lançamento da campanha, que consistiria na colocação de cartazes, divulgação em palestras, nos grupos do Facebook e através de envio de e-mails.
As pessoas seriam muito bem esclarecidas sobre o uso do site, incentivadas a se cadastrarem e constantemente lembradas da importância de interagir com o conhecimento ali disponibilizado.
Após uma apresentação de 30 minutos e diante do orçamento enxuto que Paula propôs para o site, o projeto foi aprovado.
Ela sabia que teria agora muito trabalho pela frente, e por isso mesmo cuidou de reorganizar sua agenda. Os atendimentos e orientações individuais continuavam, já que onde há pessoas, sempre haverá esta necessidade.
Mas o fato é que o número de pessoas encaminhadas a ela já havia diminuído significativamente. Talvez como consequência das melhorias no ambiente.
Agora, era mão na massa para que a transformação realmente acontecesse!
Fase 6 – A consolidação
15 meses após ter a primeira centelha de ideia e conseguir autorização para uma palestra, Paula está agora em frente à diretora, sendo parabenizada pelas mudanças implantadas e traçando planos para os próximos meses.
Obviamente, a escola não se tornou um paraíso, mas olhando para a projeção na parede as duas podiam ver claramente alguns resultados colhidos:
- Aumento nos relatos de satisfação dos pais em relação à escola (dados vindos do setor de ouvidoria e de entrevistas informais);
- Melhor clima entre professores. (Alguns, que não abraçaram o projeto, acabaram pedindo para sair, outros ainda precisavam comprar totalmente a ideia, mas estavam no caminho);
- Diminuição de conflitos sérios (com saída de sala) entre professores e alunos, em função de maior habilidade e controle emocional dos professores;
- Menor número de reprovações e de alunos em recuperação;
- Relatos de alunos sobre as aulas terem ficado mais divertidas e menos entediantes;
- Relatos emocionados das mães, as mais ativas nas comunidades do Facebook, dizendo que agora haviam encontrado um espaço para falarem e aprenderem sobre a educação dos filhos.
Para garantir que todo este sistema funcionasse bem, Paula e as duas coordenadoras cuidavam para que a “chama” do projeto nunca se apagasse.
Encontros mensais entre os professores foram organizados, inclusive alguns com temas festivos. Mini-palestras- algumas de surpresa, eram feitas em sala de aula. A mediação nas comunidades do facebook acontecia de forma contínua e organizada, e os pais continuavam recebendo fielmente sua newsletter quinzenal.
Ela sabia que apenas com a alimentação constante do sistema o projeto se sustentaria. As pessoas eram constantemente lembradas da importância daquilo, e do quanto um pouco mais de cuidado e atenção com seus relacionamentos poderia modificar positivamente a vida de todos.
E é por isso que, ao sair da sala da diretoria, ela se dirigiu ansiosamente para o pequeno auditório adjacente, no qual iria se encontrar com as duas coordenadoras que a ajudavam.
Era final de ano letivo, as festas vinham por aí, e ela precisavam começar a planejar o que aconteceria no ano seguinte.
O projeto não pode parar.
AUTOR
Desde 2003, quando se graduou em Psicologia, aborreceu-se com o fato de o curso não enfatizar nenhum aspecto mercadológico da profissão, o que fazia com que a maioria dos psicólogos acabasse tendo que abandonar a carreira ainda no início.Um belo dia, em 2014, após 11 anos de experiência no mundo das organizações, trabalhando em multinacionais e como consultor, decidiu fazer algo sobre aquele “incômodo” do passado, e começou um projeto que tem como missão transformar a maneira como a sociedade percebe e consome os serviços de Psicologia no Brasil e no mundo.