Em um recente estudo divulgado em Cognition and Emotion, pesquisadores concluíram que a maneira como os pais interpretam e reagem às emoções de seus filhos pode ter implicações profundas no comportamento desses jovens. A pesquisa sugere que, quando as emoções da criança são atribuídas à sua natureza intrínseca pelos pais, surgem maiores chances de a criança desenvolver problemas comportamentais. Esse padrão é observado tanto em desafios emocionais internalizados quanto em comportamentos direcionados externamente.
Não é novidade que déficits na regulação emocional — a capacidade de gerir e controlar emoções de maneira eficaz — são associados a diversos problemas psicológicos em crianças. Mas aqui entra a relevância do papel dos pais: sua influência é decisiva na formação da capacidade de regulação emocional dos filhos, e essa influência é diretamente moldada por suas crenças e sentimentos sobre as emoções. Esta descoberta reforça o quanto é fundamental que, enquanto profissionais da psicologia, compreendamos e orientemos corretamente as práticas de socialização emocional exercidas pelos pais.
Parentalidade e Atribuições Emocionais: Compreendendo a Expressão Emocional Infantil
Embora existam diversos estudos abordando as atribuições parentais em relação ao comportamento das crianças, a literatura apresenta uma lacuna significativa quando o foco recai sobre as atribuições dos pais em relação à expressão emocional dos filhos. Diante deste cenário, os pesquisadores se propuseram a explorar e contribuir para este segmento ainda pouco discutido.
Joyce J. Endendijk, professora assistente do Departamento de Estudos Clínicos, Infantis e Familiares da Universidade de Utrecht (Holanda) e autora do estudo, contextualiza a questão: “No cotidiano, os pais frequentemente fazem inferências sobre as causas do comportamento de seus filhos, pensando coisas como ‘ele deve estar tendo um dia ruim’ ou ‘ela fez isso de propósito'”. Estas atribuições causais, ressalta Endendijk, têm um papel crucial na determinação de quão positiva ou negativa será a reação dos pais diante dos comportamentos dos filhos.
A professora Endendijk aponta um padrão interessante: “De maneira geral, atribuições que culpam a criança por mau comportamento tendem a provocar reações mais negativas e punitivas dos pais do que aquelas que não atribuem responsabilidade direta à criança pelo comportamento. No entanto, é surpreendente como poucos estudos se debruçaram sobre as atribuições dos pais acerca das emoções das crianças”. Esta área, segundo ela, é de alta relevância, pois tais atribuições emocionais podem influenciar diretamente o desenvolvimento de problemas internalizantes, como depressão e ansiedade, e externalizantes, como agressividade, em crianças, visto que ambos os tipos de problemas incluem perturbações em emoção ou humor.
A perspectiva apresentada por Endendijk lança luz sobre a necessidade de se aprofundar nas investigações relacionadas às percepções parentais sobre as emoções de seus filhos, uma vez que elas têm o potencial de moldar significativamente as reações e interações entre pais e filhos.
Metodologia da Pesquisa: Entendendo as Atribuições Parentais e suas Repercussões
Para conduzir sua pesquisa, o grupo de pesquisadores optou pela plataforma de crowdsourcing Amazon Mechanical Turk, recrutando um total de 241 participantes. Para serem elegíveis à participação, estes indivíduos deveriam possuir um endereço IP baseado nos EUA e ter ao menos uma criança na faixa etária de 5 a 7 anos.
Com o intuito de aprofundar a compreensão sobre como os pais interpretam e reagem às emoções de seus filhos, foram apresentadas aos participantes seis vinhetas — cenários escritos breves — que ilustravam crianças vivenciando emoções tanto internalizantes quanto externalizantes. A instrução era que imaginassem seus próprios filhos nas situações descritas.
Após a apresentação de cada vinheta, uma série de questões foi dirigida aos pais. Estas indagavam sobre as causas percebidas para as emoções de seus filhos, com foco especial nas atribuições disposicionais. Utilizando uma escala de 5 pontos, os pais indicavam o quão provável acreditavam ser que as emoções de seus filhos fossem causadas por uma natureza disposicional. Um exemplo de tal atribuição seria afirmar que “[Nome da criança] é uma criança emocional”. Adicionalmente, os pais avaliaram, usando a mesma escala, suas prováveis reações diante de tais emoções. Isso incluiu reações que minimizavam a emoção (por exemplo, “Dizer a [nome da criança] para parar de exagerar”) e reações que orientavam a emoção (por exemplo, “Tranquilizar [nome da criança] dizendo que está tudo bem chorar quando se está machucado”).
Para determinar o nível de problemas internalizantes e externalizantes nas crianças, os pesquisadores optaram pelo uso da avaliação Child Behavior Checklist 1.5-5, uma ferramenta amplamente reconhecida e utilizada no campo da psicologia.

Esta metodologia, estruturada com rigor e atenção aos detalhes, buscou não apenas entender as atribuições parentais, mas também mapear suas reações diante das emoções de seus filhos e o impacto potencial no comportamento infantil.
Implicações das Atribuições Disposicionais na Saúde Emocional Infantil
Os resultados obtidos pela equipe de pesquisa indicaram uma correlação significativa entre as atribuições disposicionais feitas pelos pais e a manifestação de problemas comportamentais nas crianças. Em termos claros, quando os pais frequentemente atribuíam as emoções ou reações de seus filhos à disposição inerente da criança, sem considerar fatores externos ou contexto, observou-se um aumento nos problemas comportamentais desses jovens. Esses problemas eram tanto de natureza internalizante quanto externalizante.
Através dos dados coletados, os pesquisadores puderam identificar uma tendência dos pais em minimizar as emoções (tanto em comportamentos internalizantes quanto externalizantes) e em orientar as emoções, porém apenas para comportamentos internalizantes.
Joyce J. Endendijk elucidou o fenômeno: “Quando os pais atribuem a expressão emocional das crianças a causas estáveis dentro da criança, como por exemplo, ‘meu filho é altamente emocional’, isso está associado a mais problemas comportamentais em seus filhos”. Ela ainda acrescenta: “Esses efeitos puderam ser explicados pela maneira como os pais respondiam à expressão emocional de seus filhos. Por exemplo, pais que faziam mais atribuições disposicionais sobre a tristeza de seus filhos tinham maior probabilidade de rejeitar essas emoções, e isso estava subsequentemente associado a mais problemas internalizantes da criança.”
Em um contexto prático, estas descobertas indicam que pais que acreditam constantemente que as reações emocionais de seus filhos são uma parte fixa de sua personalidade podem, sem intenção, estar contribuindo para os problemas comportamentais. A compreensão desses padrões é necessária para os psicólogos que buscam guiar pais na jornada de educação emocional e comportamental de seus filhos.
Diferenças de Gênero nas Atribuições Emocionais dos Pais
No contexto das diferenças de gênero, a pesquisa apontou nuances interessantes. A correlação entre atribuições disposicionais dos pais sobre emoções internalizantes e reações que minimizavam as emoções foi mais acentuada para meninos do que para meninas. No entanto, para surpresa da equipe de pesquisa, outras diferenças significativas de gênero não foram identificadas.
Ao discutir essa constatação, Joyce J. Endendijk observou: “Encontramos poucas diferenças entre meninos e meninas em como as atribuições dos pais sobre emoções estavam relacionadas às suas reações a essas emoções e ao comportamento problemático das crianças”. O ponto que chama atenção nessa declaração é que a equipe de pesquisa tinha uma expectativa diferente baseada em estudos anteriores. Em pesquisas antecedentes, foi constatado que as emoções das mulheres eram mais frequentemente atribuídas a causas internas quando comparadas às emoções dos homens.
Endendijk ainda acrescentou: “Além disso, homens e meninos têm maior probabilidade de desenvolver problemas externalizantes, enquanto mulheres e meninas tendem a desenvolver problemas internalizantes. Especulamos que diferenças de gênero mais pronunciadas possam ser observadas na adolescência, período em que as meninas podem ser particularmente sensíveis às interpretações negativas dos pais sobre suas emoções.”
Este aspecto da pesquisa destaca a necessidade de se compreender mais profundamente como as interpretações parentais podem variar de acordo com o gênero da criança, e como isso pode impactar o desenvolvimento emocional e comportamental ao longo do tempo, especialmente durante a transição para a adolescência.
Limitações e Implicações da Pesquisa
A pesquisa apresenta informações valiosas sobre a relação entre as atribuições dos pais e as emoções dos filhos. Contudo, há que reconhecer algumas das limitações inerentes ao estudo.
Uma das principais limitações reside no fato de o estudo basear-se em cenários hipotéticos apresentados por meio de vinhetas. Como Joyce J. Endendijk salientou: “Este estudo contou com um design experimental que utilizou vinhetas de situações que evocam várias emoções em crianças hipotéticas. Os pais tinham que imaginar seus próprios filhos nas vinhetas. Embora essa abordagem seja comum na literatura sobre atribuição, as reações e atribuições dos pais em resposta às vinhetas podem ser muito diferentes das suas reações a situações reais com seus filhos.” Em outras palavras, é sempre uma incógnita se a resposta a um cenário hipotético refletiria uma ação real. Endendijk sugere que seria interessante observar as reações dos pais às expressões emocionais dos filhos em um ambiente mais natural, como em sua própria casa.
Outra restrição pertinente ao estudo está no perfil da amostra. A maioria dos participantes era composta por pais casados e com alto nível de escolaridade. Esta falta de diversidade pode limitar a generalização dos resultados para uma população mais ampla e diversificada.
Apesar dessas ressalvas, não se pode negar a relevância dos achados. Eles destacam a importância das atribuições e reações parentais na modelagem dos resultados emocionais e comportamentais das crianças. Concluindo, Endendijk ressalta: “Estes resultados mostram a importância de conscientizar os pais sobre as causas que atribuem às emoções de seus filhos. É essencial que os pais compreendam as possíveis consequências de atribuir as emoções dos filhos a causas estáveis dentro da criança para o desenvolvimento de problemas, como depressão, ansiedade e agressão.”
Fonte: Psypost