Diferente do que muito antigamente se acreditava, o seu cérebro não para de funcionar quando você dorme. Ele funciona 24/7, do dia em que nascemos até a nossa morte.
Bom, porque precisamos dormir se o nosso grande centro de comando na verdade não para?
Boa pergunta… Deve ser realmente importante dormir para que a nossa espécie, em média, ocupe um terço da vida “simplesmente” dormindo.
O que é o sono?
O sono é um estado mental organizado que afeta as funções físicas e mentais, incluindo por exemplo, desde a regulação hormonal aos processos do pensamento.
Quando estamos despertos nosso cérebro mostra uma atividade neural (ondas elétricas) em frequência alta e rápida, enquanto que ao adentramos nos níveis de sono, elas se vão se tornando lentas e sincronizadas, com a exceção do estado mais profundo de sono denominado sono REM (do inglês rapid-eye-movement ou movimentos rápidos dos olhos).
O sono é um comportamento circadiano (ciclo dia-noite) com um ritmo de aproximadamente 24 horas. E para entender seu funcionamento vamos ao núcleo supraquiasmático (um núcleo hipotalâmico), que segue um ritmo circadiano endógeno sincronizado por estímulos ambientais, como a luz (claro-escuro).
Esse núcleo projeta informações desse ritmo para outros núcleos que vão não só auxiliar no ajuste do nosso ciclo de sono-vigília, mas também dos sistemas de locomoção, alimentação, secreção de substâncias e hormônios, por exemplo.
Esse mecanismo endógeno de sono-vigília e influenciado por fatores externos é complexo e requer uma integração coordenada de núcleos, neurônios e neurotransmissores para que esses estejam ativos durante a vigília e possam ser silenciados quando determinados para a entrada no estado de sono.
OK, MAS E A IMPORTÂNCIA DO SONO?
Bom, além do sono ter um papel restaurador no nosso ciclo de energia natural, hoje sabemos que alguns genes apenas ficam ativos e exercem seus papéis durante o sono. Ou seja, eles trabalham enquanto você dorme.
E esses genes estão associados a restauração energética, celular e dos caminhos metabólicos que o seu cérebro utiliza.
Outro ponto interessante é lembrar que o nosso cérebro não possui um sistema linfático para realização de limpeza do meio extracelular que ao longo do dia acumula resíduos (tais como proteínas). É durante o sono que o líquido cefalorraquidiano (líquor) é capaz de fluir com maior precisão e volume por entre as células circundando nosso sistema vascular cerebral e trazer fora essas impurezas acumuladas, limpando assim o ambiente cerebral.
Esse processo permite que o nosso cérebro assim como os demais órgãos do nosso corpo elimine de seu contato esses resíduos desnecessários e por vezes tóxicos.
Até aqui vimos dois processos “simples” do sono que afetam diretamente o bom funcionamento do nosso cérebro. Por mais que ele não pare de trabalhar, é um momento onde o cérebro encontra um momento de se restaurar e higienizar seu espaço.
É também durante o sono que conexões sinápticas importantes são reforçadas. E isso reflete diretamente na nossa capacidade de aprendizado e memória. Durante o sono nosso cérebro parece se ocupar de também fortalecer conexões mnemônicas consolidando e revendo estímulos e informações que foram processadas, e inclui também a habilidade de durante esse processo gerar novas soluções para as associações das informações revistas, impactando os insights e a criatividade.
Interessante notar que estudos onde os participantes são privados de sono, eles acabam apresentando uma inferior capacidade de consolidação de memória, em um volume e detalhes inferiores àqueles que puderam ter uma bela noite de sono. Mas os prejuízos vão além da memória para aqueles que estão privados de sono.
São observados nessas pessoas um aumento da impulsividade, dificuldades de tomada de decisão e baixa habilidade de julgamento crítico.
E isso automaticamente me lembra uma onda atual onde a maioria das pessoas se priva de sua necessidade natural de sono, mas não porque participam de experimentos, mas porque consideram o sono uma perda de tempo, ou simplesmente porque não cabem em seus dias o excesso de tarefas que se comprometeram a realizar e acabam por escolher privarem-se do sono.

Paradoxo não?
Quanto mais privado de sono, pior tende a ficar seu funcionamento mental. Então, de que adiantaria tanta privação em prol de um ganho de horas de pior qualidade?
Cada pessoa tem uma necessidade de sono. A espécie humana adulta tem necessidade de em média de 8 horas por dia.
Mas, cada pessoa deve encontrar seu ponto.
Dormir não é perda de tempo, se fosse, nosso cérebro não gastaria 1/3 das nossas vidas fazendo isso! Dormir é um processo essencial para o funcionamento desse órgão que não tem descanso, e que é o produtor das nossas habilidades mentais. Então, nada de privar você desse mecanismo precisamente delineado e tenhamos todos belas noites de sono!
Referências:
Chatburn, A., Lushington, K., & Kohler, M. J. (2014). Complex associative memory processing and sleep: A systematic review and meta-analysis of behavioural evidence and underlying EEG mechanisms. Neuroscience & Biobehavioral Reviews, 47, 646–655.
Iliff, J. J., Wang, M., Liao, Y., Plogg, B. A., Peng, W., Gundersen, G. A., . . . Nedergaard, M. (2012). A Paravascular Pathway Facilitates CSF Flow Through the Brain Parenchyma and the Clearance of Interstitial Solutes, Including Amyloid β. Science Translational Medicine, 4(147), 147ra111-147ra111.
Kandel, E., Schwartz, J., Jessel, T., Siegelbaum, S., Hudspeth, A.J. Princípios de Neurociências. 5. ed. – Porto Alegre : AMGH, 2014.
AUTORA
LAISS BERTOLA
Laiss Bertola é neuropsicóloga PhD, Especialista em Adultos e Idosos – laissbertolagmail.com