Sei que para muitas pessoas, entre eles psicólogos, lidar com adolescentes realmente não é uma tarefa fácil. Mas, pode ser uma experiência muito reforçadora se soubermos lidar com eles de um jeitinho especial. Sim, alguns psicólogos também não são fãs de adolescentes (rs).

Hoje vou te mostrar como é uma delícia lidar com eles a partir de uma ajudinha: o olhar da psicoterapia analítica funcional. 

Se depois de ler esse texto você ainda achar que “não pode com eles”, continue fazendo o que você faz de melhor no seu nicho de trabalho. Mas, sei que o seu olhar para eles será diferente!

Vamos lá… Muitos acreditam que adolescentes são difíceis, que essa fase é complicada. Mas, você já parou para pensar quais comportamentos você tem com um adolescente, que você conhece desde criança e que não tinha quando ele era uma criança “fofa”?

Quais comportamentos você mudou com ele depois que ele entrou na adolescência? Depois de olhar para ele e pensar: “– Esse menino precisa ter mais responsabilidades!”? Os pais exigem mais.  A escola exige mais. A vida exige mais! E ele está aprendendo a lidar com todos esses estímulos novos.

Além dos benditos hormônios!!!

Como os adolescentes são considerados “a fase mais difícil de lidar”, a falta de profissionais especializados em trabalhar com adolescentes e um “esperar passar essa fase” protagonizado pelos pais, deixam os adolescentes soltos para que possam fazer suas novas descobertas sem muito aparato, seja emocional ou de atividades.

São mais comumente considerados como adolescentes as pessoas entre as idades de 12 e 20 anos. Mas, sabemos que todos os adolescentes passam pela tal “fase difícil”, não é mesmo?

Felizmente… não!

Percebemos que alguns adolescentes “passam” por essa fase de forma tranquila e encantadoramente marcante em suas vidas. Então, o que ocasiona em alguns adolescentes essa “fase difícil”?

O ambiente! Mais precisamente: o ambiente em que esse adolescente está inserido. 

A adolescência é uma das fases mais lindas de nossas vidas. Contudo, normalmente, o ambiente ao redor do adolescente muda de forma brusca quando ele deixa de ser criança e chega à puberdade. Encontramos adolescentes inseguros, emburrados, com comportamentos inadequados para a sociedade em que fazem parte.

A insegurança é fruto de um ambiente extremamente punitivo e que não propicia o aumento e a adequação do repertório comportamental desse adolescente. Muitos desses comportamentos inadequados podem ser comportamentos de esquiva e, se está ocorrendo esquiva, deve haver algum agente punitivo no ambiente.

Acima, apenas alguns exemplos. O que quero deixar claro é que os problemas dos adolescentes ou causados pelos mesmos estão na relação desse adolescente com o seu mundo (ambiente). E não simplesmente pelo fato de serem “aborrescentes”!

Tentar entender esses “comportamentos-problemas” sem enquadrá-los em um repertório e sem enquadrar as relações em um determinado ambiente resulta numa análise incompleta e muitas vezes incorreta. Precisamos analisar cuidadosamente o adolescente e o seu ambiente para que possamos juntos transformar esses comportamentos “problemas” em comportamentos que tragam leveza e alegria ao mundo desse adolescente.

Para o psicoterapeuta que tem vontade de trabalhar com adolescentes deve ter um olhar diferenciado e precisa ficar atento a alguns detalhes bem específicos. Primeiramente, saber que esse adolescente pertence a no mínimo dois ambientes que afetam diretamente no seu repertório comportamental: a família e a escola.

Para cada um desses contextos, uma dica específica:

  • Família: Orientar os pais, chamando-os sempre a participar do processo terapêutico do filho adolescente tem grande impacto no processo. A orientação de pais de adolescentes daria outro artigo e até podemos falar disso depois se quiserem. Só deixar seu comentário aqui para mim!
  • Escola: Fazer visitas a escola para colher dados de como esse adolescente se comporta e interage com o ambiente escolar é de suma importância. Pense como seria rico se pudéssemos colher informações de nossos clientes adultos em seu ambiente de trabalho, seja com seus superiores, parceiros ou subordinados? Mas, com os adolescentes temos essa vantagem, pelo menos enquanto estiverem no ensino fundamental e médio. Então, devemos aproveitá-la!

Antes de colher qualquer dado sobre o seu cliente adolescente você tem que “seduzi-lo”. Ou numa expressão um pouco mais profissional: criar o vínculo terapêutico!

E criar vínculo, seja terapêutico, seja de amizade, com um adolescente… acredite: é possível!

Ok, para muitos não será fácil. Mas, é possível e muito necessário! Afinal, se o cliente não criar vínculo com o terapeuta, não se tem um processo terapêutico! Então, vamos lá!

Construindo o Vínculo

O primeiro passo é tornar a primeira sessão o ambiente mais reforçador que pudermos para aumentarmos a chance de que esse adolescente volte à terapia. O que não vai ocorrer caso a sessão seja aversiva ou indiferente para ele.

Na maioria das vezes o adolescente vem à terapia por meio de uma motivação que não é dele e sim dos pais ou até mesmo da escola. Sabemos que um ser humano emite um comportamento se for motivado para tal. Logo, a possibilidade desse adolescente não estar motivado no primeiro encontro é quase certa.

É nossa função como terapeuta criar esse ambiente reforçador.

Algumas contingências devem ser seguidas pelo terapeuta nessa primeira sessão:

1. Deixar claro para o adolescente e para seus responsáveis que, se tem algum comportamento problemático ocorrendo, é por que “algo” ou “alguém” o estão mantendo e promovendo mudanças nos repertórios do adolescente.

Com o processo terapêutico mudaremos então, não somente, o comportamento dele, mas também o comportamento de todos os envolvidos nesse “comportamento problema”. O que isso significa? Significa que deixaremos claro para o adolescente, a família e a escola que todos precisam mudar para viverem de forma harmônica (digamos assim).

Esse esclarecimento para o adolescente é reforçador, pois ele entende que talvez ele não seja “o” problema.

2. Deixar claro para o adolescente que serão realizados encontros com os envolvidos em seu ambiente: familiares, algumas pessoas da escola e outras necessárias ao processo. Deixando muito claro para ele o sigilo das informações obtidas nas sessões.

É  importante explicar também que mesmo sendo os seus pais quem “contrataram” o serviço terapêutico, ou mesmo que tenha sido a escola quem o encaminhou para a terapia, ele é o verdadeiro e único cliente do terapeuta e esse “serviço” é prestado à ele.

3. Deixar claro também que esse sigilo é unilateral, ou seja, não passaremos informações do adolescente para terceiros, mas, as informações vindas de terceiros para o terapeuta sobre o cliente serão ditas para ele.

Como o adolescente verá nessa relação algo que não encontra facilmente em seu ambiente, o vínculo com o terapeuta se fortalece e se torna extremamente reforçador.

4. Deixar claro que a transparência entre o adolescente e o terapeuta deve nutrir o processo terapêutico e, para que a terapia tenha melhores resultados, deve ser informada e feita como um acordo.

Sabendo que serão duas pessoas em um ambiente claro, transparente e principalmente autêntico, o adolescente se sente seguro e acolhido. Sabendo que poderá expressar todas as suas emoções sem ser julgado, mas terá um retorno e aprenderá a se relacionar de forma autêntica.

Normalmente, o adolescente sente-se enganado pelo seu ambiente. Um lugar inseguro para se expressar. Onde se abre para a coordenadora da escola e essa é “obrigada” a informar aos seus pais, se abre para o pai e esse é “obrigado” a compartilhar com a mãe… Fazendo com que o adolescente não tenha com quem contar.

O adolescente precisa ter alguém com quem tenha uma relação de intimidade (sem ser o terapeuta). As pessoas para serem saudáveis precisam no mínimo de uma relação de intimidade na vida e o terapeuta, não… não conta. A função do terapeuta é ensinar o cliente a desenvolver relações de intimidade!

Muitos sentimentos são relatados ao adolescente em momentos de raiva e ressentimentos, como os adolescentes tendem a se isolar para evitar o sofrimento, é difícil para outras pessoas chegar até eles expressando bons sentimentos, e assim eles ficam mais propensos a receberem mais feedbacks negativos.

Depois de criarmos o vínculo terapêutico inicial precisamos construir a relação terapêutica com o adolescente.

A importância da relação terapêutica

A relação autêntica com o terapeuta servirá para o adolescente sinalizar de maneira firme, adequada socialmente, coerente e consistente aos sentimentos que ele desperta nos outros com seus comportamentos. Isto é, uma relação que seja modelo de expressão de sentimentos, de assertividade e que sirva como modelo para as relações fora da sessão.

O objetivo é dar ao adolescente a percepção de que ele também é capaz de provocar bons sentimentos nas pessoas com quem interage.

Quando o adolescente percebe, por meio da relação com o terapeuta, que pode provocar nas pessoas tanto sentimentos ruins quando bons sentimentos, através dos seus comportamentos desejáveis ou indesejáveis, ele entende que pode “escolher” o que quer provocar no outro. E começa a perceber que tem controle sobre o mundo a sua volta.

E isso é libertador!

O adolescente percebe, por meio da referência do terapeuta, como proceder e agir em determinadas situações problemáticas. Assim, fica menos ansioso e aumenta o seu repertório comportamental para essas situações.

Levando em consideração que as relações que o adolescente tem com os adultos ao seu redor muitas vezes não são das melhores, o psicoterapeuta tem que ficar atento para não ser mais um dos adultos na vida desse adolescente que irá bombardeá-lo com julgamentos morais, exigências de posturas físicas, apontamentos de inadequações (desprovidas de uma análise funcional), conselhos e repreensões.

A relação deve ser leve e autêntica.

Principalmente, porque a probabilidade de que as outras relações da vida desse adolescente não tenham o ajudado muito é grande, por isso ele está em seu consultório.

Para que a relação terapêutica seja uma relação empática é necessário que o terapeuta conheça as linguagens e os valores sociais nos quais o adolescente está inserido.

O terapeuta pode entrar nesse mundo do adolescente, através dos próprios relatos desse cliente, que é tão único. O adolescente será motivado por poder explicar como funciona o seu mundo, do que gosta e do que não gosta, sobre os seus pensamentos (utópicos ou não) para alguém que realmente está interessando e que não o julgue, mas o escuta de forma autêntica.

Criar uma relação autêntica com um adolescente vai requerer do terapeuta, em algumas vezes, entrar mais a fundo nesse mundo, ter uma ideia de como são as séries que esse adolescente vê, os filmes que gosta, os livros que lê. Você não vai precisar assistir e ler tudo o que o seu cliente vê e lê, mas sempre é importante saber sobre.

Os adolescentes gostam de saber que alguém se interessa por eles, que o estilo de vida que adotou é interessante para alguém.  

Através do relato do adolescente sobre aquilo que gosta e o que não gosta de fazer, o terapeuta poderá identificar os valores do cliente. Podendo guiá-lo na busca de veículos que possam ser usados para reforçar esses valores, ainda que em muitas vezes, estes valores não sejam os mesmos que os nossos.

Devemos ter cuidado ao expressarmos estranheza, medo, ou desagrado. Mas, uma vez que a relação transparente e autêntica entre adolescente e terapeuta esteja estabelecida, o terapeuta e o adolescente podem discutir essa diferença verificando como ela teria a ver com o processo terapêutico do adolescente e/ou como essas diferenças resistiriam a uma análise funcional dentro do ambiente do adolescente.

O próprio adolescente deve escolher suas respostas emitidas ao ambiente e os seus valores.

Uma das maiores dificuldades que nós, terapeutas de adolescentes, nos deparamos é perceber que os valores sociais que assumimos não são mais funcionais para alguns adolescentes. Talvez seja daí que venha a maior parte dos conflitos dos adolescentes.

As regras sociais as quais foram submetidas as gerações anteriores, já não descrevem mais as contingências atuais nas quais eles se inserem. E essas mudanças nas regras sociais estarão sempre acontecendo para eles.

Devemos perceber que estamos mudando, mas os adolescentes continuam… Adolescentes!

Na prática: o processo terapêutico com adolescentes

O terapeuta deve ensinar o adolescente a olhar de fora para o seu comportamento. Modelar e ampliar o repertório de comportamentos do adolescente é algo que pode ser trabalhado através da relação terapeuta-adolescente.

Como eu trabalho com a FAP (Psicoterapia Analítica Funcional) o foco é sempre na relação cliente-terapeuta.

Podemos falar disso em outro momento também… pois daria outro artigo. Mas, voltando aos nossos adolescentes e a relação terapêutica com eles…

O terapeuta deve ficar atento à forma como o adolescente se relaciona com o terapeuta, focando no processo em que o cliente apresenta o conteúdo. O conteúdo é o relato do adolescente do seu dia a dia, suas ideias. O processo é a relação terapeuta-adolescente.

Devemos ficar atentos a duas perguntas:

  • Sobre o que o adolescente está falando?
  • O que está acontecendo agora entre terapeuta e adolescente?

Através dessa relação, que deve ser uma relação não punitiva, o terapeuta pode modelar e ampliar o repertório do adolescente. Ensinando a ele novas formas de interação com o seu ambiente.

O terapeuta deve criar um ambiente onde o adolescente aprenda a lidar com as punições e que, ao mesmo tempo, seja seguro para que possa se expressar sabendo que não será punido. Não estou dizendo aqui para concordarmos com todos os comportamentos do adolescente, mas para deixarmos que ele se sinta seguro para expressar seus sentimentos e assim aprender a interagir com o seu ambiente.

O ambiente terapêutico será, para o adolescente, um local de experimento para seus comportamentos, assim ele poderá aprender com o terapeuta (através da sua relação autêntica) como afeta e é afetado pelo ambiente ao seu redor.

O terapeuta deve entendê-lo e ajudá-lo a fazer diferente.

Neste processo, é preciso deixar claro que o terapeuta não tem e não terá todas as respostas. Trabalhamos com um modelo colaborativo, no qual vamos construindo juntos novos repertórios. Devemos analisar junto ao adolescente o que fez com que aquele determinado comportamento trazido por ele aconteceu, analisar funcionalmente junto a ele, analisando as contingências.

Podemos trabalhar num esquema “real play” ensinando para o adolescente a generalizar o que acontece em nossas sessões. Usando como exemplo a própria relação terapeuta-cliente.

Realmente trabalhar com adolescentes não é para todos os terapeutas, assim como definimos trabalhar com crianças, ou adultos ansiosos… (o interessante é definir o seu nicho – veja um artigo sobre clicando aqui), devemos querer trabalhar com adolescentes. Você deve se autoconhecer para saber se pode ajudá-los ou encaminhá-los para outro profissional competente e apaixonado pela área.

Como disse no início, você não precisa atender adolescentes, caso não se identifique com esse público, mas precisa saber olhar para esse grupo, que já é tão negligenciado pelo ambiente ao seu redor, de forma mais amorosa.

Se você atende adultos, pode se deparar com algum pai de adolescente (por exemplo) e pensar: “Calma… essa fase do seu filho vai passar!” Ok! Vai passar. Mas, quais lembranças como pai o seu cliente quer deixar para ele?

Você poderá, nesse caso, orientá-lo em como analisar os comportamentos que ele enquanto pai tem e que afetam essa nova relação.

Apresentei um pouquinho como iniciar o atendimento com adolescentes. A literatura para Análise do Comportamento e adolescência é muito escassa e espero ter contribuído com esse artigo.

Fico à disposição para crescermos juntos e para tornar o ambiente ao redor dos adolescentes mais reforçador, proporcionando à eles interagir com o meio de forma saudável e podendo mostrar o que eles têm de melhor!

AUTORA

RENATA LOTT
renata@acompanhar.com.br

Sou psicóloga (CRP 04/19886), formada há mais de 20 anos e, desde o meu primeiro estágio, no primeiro ano da faculdade, eu trabalho com adolescentes e seus familiares.

Construí minha clínica especializada em acompanhamento à criança e ao adolescente um ano antes de me formar e, desde formada, atendo – como psicóloga clínica – adolescentes e seus familiares.

Sou apaixonada pela fase da adolescência, fase esta que tantos (leigos e profissionais) imaginam ser a mais difícil, e eu vou te provar no curso o motivo das pessoas, equivocadamente, pensarem assim.

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