Sabe como é falar sobre uma paixão? É uma empolgação!

Para mim, escrever sobre adolescências é a possibilidade de abordar multiplicidades, movimento, abertura, desafios, construções…  Por compreender um momento da vida que pode ser experienciado de diversas formas, convido você a pensarmos juntos o adolescer sob a ótica Gestáltica, passeando entre a teoria e a prática.

Sabe por que me apaixonei pela adolescência?

Vivi essa etapa de uma forma muito bacana, tenho ótimas lembranças e um sentimento de muita gratidão por cada aprendizagem dessa época da minha história. Aquela ideia de fase repleta de crises aborrecentes, uma visão negativa e difícil não se confirmava em minha vivência.

Sempre sonhei em ser psicóloga (nunca tive dúvidas sobre minha escolha profissional), mas quando estava na faculdade, fiquei frustrada ao perceber como a adolescência era compreendida e ensinada em um curso que deveria passar longe de uma visão tão normativa e estereotipada. Pensei: “não é sempre assim!”.

Começou com uma inquietação e transformou-se em paixão!

Na caminhada acadêmica, conheci a Gestalt-terapia, opaaaa! Era um arrepio ao ouvir falar, uma identificação cada vez maior, fazia tanto sentido! Estava apaixonada novamente? Acredito que sim! E o melhor de tudo foi perceber como minhas paixões se complementavam.

Vem comigo e me diz se faz sentido para você também.

O que a Gestalt-terapia pode nos falar sobre adolescência?

As palavras de Jean Clark Juliano nos ajudam a compreender um pouco da visão Gestáltica:

“A Gestalt é principalmente uma postura diante da vida, que implica o contato vivo com o mundo, com a pessoa do outro, na sua singularidade, sem pré-concepção de qualquer ordem. Esse contato apóia-se sobre a vivência, na experiência de primeira mão, no aqui e agora, o que estimula uma presença constante e atenta, com ênfase na percepção sensorial; focaliza o fluxo e a direção da energia corporal.” (Juliano, 1999, p.25) (grifo meu)

O trecho acima nos possibilita vislumbrar aspectos importantes de como podemos compreender as adolescências a partir de pressupostos gestálticos e como a prática pode ser realizada.

O que a Gestalt-terapia pode nos falar sobre adolescência?

Existe uma teoria do desenvolvimento Gestáltica que explique a adolescência?

A Gestalt-terapia não caracteriza o desenvolvimento humano definindo fases e estágios rígidos, a partir de questões universalizantes e baseadas em paradigmas lineares e evolutivos, isso seria desconsiderar uma visão de homem contextual, relacional, processual e singular. Existem peculiaridades, em momentos distintos da vida que precisam ser considerados.

Pensar sobre adolescências inclui entender as mudanças corporais, neurológicas, emocionais, mas não se limitar a isso.

Cada adolescer, traz consigo as transformações fisiológicas, mas acontecem em uma determinada sociedade, família, cultura, etnia e classe social, então, as formas como todos esses aspectos são significados serão sempre únicas.

Portanto, ao iniciar um trabalho com um adolescente, (seja na clínica, escola, comunidade) não pense que já conhece sua realidade, demandas ou características só por saber que se enquadra em uma determinada faixa etária.

Busque conhece-lo em sua unicidade, tente perceber o todo e não apenas a soma das partes, compreenda como cada um vivencia e significa esse momento de suas vidas sem se prender a todos os porquês que tentam explicar a adolescência. Na verdade, são adolescências, no plural, não há um único modo de viver esse momento, não esqueça disso!

A teoria Gestáltica não tem como objetivo traçar explicações universalizantes sobre adolescências, ela é pautada em uma compreensão do desenvolvimento do existir humano que supera a visão determinista e reducionista preocupada em apenas compartimentar, fixar e normalizar as fases da vida.

Cada período tem sua importância, afinal, como afirma Perls (1979) “a vida prossegue, fluxo infinito de gestalten incompletas”, a vida é uma sucessão de gestalten que se abrem e fecham, com mudanças do que se faz figura ou fundo em cada momento e não um atravessar de mesmos estágios, na mesma sequência, em direção à maturidade.

Uma prática que vá além da fala

Enfatizando a vivência no aqui e agora, reitero a importância de repensarmos a maneira como a adolescência é compreendida por muitos profissionais da psicologia, como simplesmente uma fase de transição entre a infância e a vida adulta, sendo assim subjugada a um momento de passagem, não parecendo ter importância por si mesmo.

A vida acontece no presente, sem desconsiderar a história passada e os projetos futuros, mas é preciso valorizar e confirmar o que está sendo experienciado nas adolescências no aqui-agora. Então, demonstre interesse pelo que os adolescentes trazem de suas vivências, acolha e esteja presente sem a ideia predominante de que as experiências deles são apenas preparações para a vida adulta.

Valorize o que eles trazem, busque conhecer elementos  do “mundo” compartilhado por seus clientes. Quando trabalhamos com crianças é natural que conheçamos os personagens do momento, as brincadeiras e jogos, por que não se interessar pelo que faz parte do cotidiano dos adolescentes?

Escuto muitos relatos e também vivencio a experiência da seguinte questão: – O que fazer se o adolescente não fala nada? Ou só responde: – Beleza! Normal!

Muitas vezes não é apenas uma questão de não querer falar, mas de não saber ou conseguir expressar o que sente. A nossa cultura tende a desvalorizar o que é dito pelos adolescentes. Não há muito espaço para fala e elaborações que não seja entre eles mesmos. Além de que, falar sobre si e o que sente não é tarefa das mais fáceis, isso pode e deve ser facilitado através de recursos que permitam que a awareness aconteça.

“Awareness, que se caracteriza pela consciência de si e a consciência perceptiva; é a tomada de consciência global no momento presente, a atenção ao conjunto da percepção pessoal, corporal e emocional, interior e ambiental” (Ginger, 1995, p.254).

Uma prática que vá além da fala, com a exploração de recursos e técnicas que tragam conceitos que parecem abstratos e distantes para algo mais palpável e perceptível, facilitam a conscientização, compreensão e expressão dos sentimentos e ideias. Portanto, vale a pena investir em desenhos, imagens, jogos, vídeos, estórias e muitas outras possibilidades que sua criatividade estimular.

Quando nos propomos a trabalhar como adolescentes, devemos entramos em contato com a nossa vivência enquanto adolescente. Possivelmente, revisitamos nossas próprias experiências, crenças, conflitos e aprendizagens.

Sendo assim, resgatar esse (a) adolescente interno, que nos constitui, torna-se imprescindível para uma presença mais inteira na relação com nosso cliente. Não significa que o psicólogo deva agir como se fosse um adolescente, mas presentificar e atualizar sua vivência anterior a serviço da sua atuação terapêutica no presente.

Ao situarmos que não falamos de uma única forma de adolescer, que precisamos compreender esse momento para além de estereótipos e mudanças neurofisiológicas, é preciso atentar que tratamos de um ser que não mais é criança e ainda não é adulto, e que merece ser percebido, compreendido e trabalhado em seu momento, seu presente.

Assim, o trabalho não será o mesmo que o de uma criança, assim como não transcorre da mesma forma como com a maioria dos adultos.

Existem questões, comportamentos e pensamentos que não são de crianças, nem de adultos, mas de adolescentes de uma determinada época, cultura e classe social. Então, acredito na importância de sempre refletirmos e trabalharmos questões relacionadas ao ser psicólogos(as) de adolescentes, enfatizando suas singularidades e desafios.

É preciso estar comprometido com sua própria construção contínua enquanto profissional, estar aware do que acontece com o cliente, consigo mesmo e no entre da relação.

Faz-se necessário refletirmos sobre nossas próprias definições de adolescência, o que entendemos, esperamos e muitas vezes legitimamos através de nosso discurso e nossa prática. Termos clareza sobre quem somos, de como trabalhamos e quem recebemos em nossa prática é condição primordial para uma verdadeira relação de encontro, mudança e crescimento.

Pense sobre o que te inquieta e te apaixona, e mãos à obra!

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Referências Bibliográficas

GINGER, S.; GINGER, A. Gestalt: uma terapia do contato. São Paulo: Summus, 1995

JULIANO, J. C. A arte de restaurar histórias: o diálogo criativo no caminho pessoal. São Paulo: Summus, 1999.

PERLS, F.S. Escarafunchando Fritzdentro e fora da lata de lixo. São Paulo: Summus, 1979

AUTORA

ALEXANDRA BORGES

aleborgespsi@yahoo.com.br

Alexandra Borges é Psicóloga (CRP11/3576), formada pela Universidade Federal do Ceará, Especialista em Psicopedagogia, em Neuropsicologia e Psicologia Escolar e Educacional. Possui Formação em Gestalt-terapia, é psicoterapeuta, docente e palestrante. Uma apaixonada pela Psicologia e por questões relacionadas aos adolescentes e suas famílias, assuntos que permeiam seus estudos e atividades há mais de 10 anos.

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