Em recentes estudos, uma equipe de pesquisadores na área de psicologia revelou que a percepção das crianças sobre desigualdade pode ser moldada conforme as explicações fornecidas a elas sobre suas causas. Este estudo lança luz sobre os fatores que influenciam a forma como questões sociais mais amplas são percebidas desde tenra idade. Mais do que isso, aponta caminhos para minimizar preconceitos em relação a grupos econômicos de menor status. A compreensão desses mecanismos é fundamental para profissionais da psicologia que buscam intervenções mais eficazes e conscientes no desenvolvimento infantil.
Compreendendo Desigualdades: A Perspectiva Infantil Versus a Adulta:
Ao tentar entender as desigualdades sociais, os adultos frequentemente levam em consideração as forças estruturais envolvidas. “Por exemplo, muitos podem citar políticas que dificultavam a inclusão no passado ao refletir sobre como as disparidades surgem inicialmente”, comenta Rachel Leshin, estudante de doutorado da Universidade de Nova York e autora principal do estudo publicado nas Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).
No entanto, Leshin destaca que as crianças não necessariamente percebem diferenças de status dessa maneira. “Quando são incentivadas a considerar as forças estruturais, elas tendem a interpretar essas estruturas de forma diferente dos adultos”, explica.
A boa notícia, segundo a pesquisa de Leshin, é que as crianças são capazes de refletir sobre essas questões de maneira semelhante aos adultos, desde que as estruturas que impulsionam a desigualdade sejam explicadas a elas de formas específicas. “Descobrimos que tais abordagens também reduziram o grau de preconceito que as crianças sentiam em relação a um grupo de baixa renda em comparação com um grupo de alta renda”, acrescenta ela. Essa descoberta é importante para psicólogos que buscam maneiras mais eficazes de abordar e discutir questões de desigualdade com crianças.
Desvendando a Percepção Infantil sobre Desigualdade Econômica: Um Estudo da NYU
Há tempos é sabido que as crianças começam a perceber a desigualdade desde muito jovens, desenvolvendo rapidamente preconceitos relacionados ao status. Por exemplo, elas tendem a ver de forma mais positiva aqueles de grupos de alto status (como aqueles com mais recursos materiais ou pertencentes a grupos associados a maior riqueza) e, além disso, aceitam prontamente as disparidades entre grupos.
No estudo publicado no PNAS, Rachel Leshin e Marjorie Rhodes, professora do Departamento de Psicologia da NYU, investigaram como as crianças raciocinam sobre a desigualdade econômica. O objetivo era compreender como as explicações fornecidas para uma desigualdade moldavam as reações das crianças a ela, como seus sentimentos em relação a um grupo de baixo status ou se desejavam corrigir essa desigualdade. O trabalho buscou entender como essas explicações poderiam ser usadas para reduzir visões tendenciosas contra grupos de menor status.
Para isso, Leshin e Rhodes recrutaram mais de 200 crianças, com idades entre cinco e dez anos, para participar de um estudo online. Neste estudo, as crianças foram apresentadas a dois grupos fictícios: os “Toogits” (um grupo de alto status) e os “Flurps” (um grupo de baixo status). Vale ressaltar que grupos fictícios são frequentemente utilizados em testes com crianças para minimizar o viés associado a categorias sociais do “mundo real”.
Estes grupos foram descritos em termos de riqueza e recursos. Por exemplo: “Vê este Flurp? Este Flurp vive nesta casa. E mais, os Flurps adultos têm empregos que lhes pagam pouco dinheiro. Por não terem muito dinheiro, este Flurp só recebeu um par de meias no seu aniversário e nem teve festa.”
As crianças também viram imagens representando as moradias dos dois grupos, com os Toogits em uma casa bonita e bem cuidada, e os Flurps em uma casa menos atraente.
Para entender como as “causas” fornecidas para explicar a desigualdade moldavam as respostas das crianças, os pesquisadores apresentaram uma de três explicações sobre a desigualdade entre os dois grupos fictícios: uma atribuía a desigualdade a causas estruturais e citava o “grupo de alto status” como os criadores dessas estruturas; outra também atribuía a causas estruturais, mas não identificava seu criador; e a última, a condição de controle, não fornecia explicação alguma.
A Influência das Explicações Estruturais na Percepção Infantil da Desigualdade

Os pesquisadores tinham como objetivo entender se e em que medida essas explicações moldariam as reações das crianças à desigualdade, incluindo seu nível de preconceito contra o grupo econômico de baixo status.
Os resultados foram reveladores. Apenas a “explicação estrutural” que identificava o grupo de alto status como o “responsável direto” pelas diferentes circunstâncias dos dois grupos produziu efeitos significativos. As crianças que receberam essa explicação relataram níveis mais baixos de preconceito em relação a esses grupos fictícios, perceberam a hierarquia de status como menos justa e optaram por dar mais recursos ao grupo de baixo status em comparação com as crianças das outras duas condições.
Em contraste, as crianças que ouviram uma explicação estrutural que não citava o grupo de alto status como causa dessas diferenças (atribuindo a responsabilidade a um terceiro, ou seja, “a pessoa que fez as regras”) não apresentaram reações diferentes daquelas no grupo de controle, que não receberam explicação alguma.
Ao refletir sobre os resultados, Leshin comenta: “Ao abordar questões de desigualdade com crianças, seja relacionada à riqueza ou ao acesso à educação, é crucial não apenas identificar uma causa estrutural subjacente a uma disparidade, mas também apontar o grupo influente na implementação dessas estruturas.” Ela acredita que essas descobertas podem ser usadas para entender melhor como podemos dialogar de forma significativa com as crianças sobre desigualdade.
Fontes: MedicalXpress, Proceedings of the National Academy of Sciences