Sempre gostei de uma boa história… Acredito que todo psicólogo deve gostar, afinal esse é o nosso material de trabalho. Jean Clark Juliano, em minha opinião a grande dama da GT no Brasil, da qual eu tive prazer de participar de cursos e que posteriormente também foi minha terapeuta, escreveu um livro que fala sobre isso: “A arte de restaurar histórias”.
“Contar e ouvir histórias é uma das mais antigas formas de se transmitir conhecimento, experiências, ensinamentos e emoções. Falando de si e do mundo ao redor. Jean Clark Juliano. 1999.”
Falar de formação em GT é falar sobre histórias.
A sua história dentro da formação em Psicologia e o encontro com a Gestalt e como ela foi se construindo. Mas como ainda não sei nada sobre vocês, e espero que isso não seja por muito tempo, vou falar da minha história.
Acho importante situar vocês que venho de uma geração onde a tecnologia ainda era pré-histórica e internet seria como um milagre. Eu era da segunda turma de uma faculdade de psicologia em uma cidade do interior de Santa Catarina (quem manda não ter passado na UFSC), mas tive os melhores professores (inclusive alguns da federal).
UM TEMPO DIFERENTE

Entretenimento: esse aqui é um PC 286. “Naquela época”, nós chamávamos o computador pelo processador – depois veio o 386, o 486…
Os livros a respeito das teorias que embasavam a psicologia eram bíblias na época, pois ali continham os segredos de como se tornar psicólogos, e eu custava a entender como eu me tornaria uma psicóloga na prática só com aulas teóricas e estágios no último ano…

O primeiro livro onde tive contato com todas as teorias da psicologia foi este, de James Fadiman e Robert Frager (não me julguem rsrs).
E assim fui caminhando e a primeira leitura que me chamou a atenção sobre a GT, acendeu algo em mim:
“Frederick S. Perls, o criador da GT, ocupa uma posição um tanto singular no contexto deste manual. Ao contrário de Freud, Jung e outros, sua contribuições para a psicologia da personalidade ocorreram principalmente na área da prática da psicoterapia, mais do que na área da teoria da personalidade (FADIMAN, 1986, p.126)”.

As palavras “prática da psicoterapia” me encantaram.
Mais tarde entendi que essa também era uma das maiores críticas a GT, o próprio Perls chegou a reconhecer que tanto a superintelectualização das abordagens anteriores a sua, quanto o que estavam pregando sobre sua teoria (que era uma abordagem com um conjunto de truques e tentativas de cura psicoterápicas instantâneas) seria perigoso para a formulação da GT, tanto que no final de sua vida ele havia se debruçado para escrever sobre algumas afirmações teóricas de sua abordagem para não correr esse risco de banalização (O livro era “Abordagem Gestáltica” publicado postumamente).
FRITZ PERLS

Quando se conhece um pouco mais a respeito da trajetória de Perls, se percebe que ele transcende a própria abordagem, dando a ela essa singular característica de uma prática livre de enquadres
E eu acredito que aí é que ouve alguns equívocos de interpretação fazendo parecer que esta teoria era ou muito zen, ou muito “solta”, estamos falando da década de 50, e o que Perls propunha e a forma como trabalhava era diferente de tudo o que já tinha se visto ou ouvido falar até então.
Hoje eu tenho a certeza que o que parecia solto, leve e fácil é extremamente difícil de aprender na prática.
Ficar no aqui e agora, usar as fantasias guiadas para deixar brotar emoções dissociadas, é algo que exige muito treino. Conseguir trabalhar um sonho fazendo o cliente vivenciá-lo, repetindo-o na primeira pessoa e no tempo presente, e você terapeuta ainda assim ter sensibilidade e percepção aguçada para saber qual elemento aparecerá como figura para ser trabalhado é algo de uma capacidade intelectual e ao mesmo tempo perceptual que não vejo como se possa aprender senão praticando e estudando muito.
E escrevo com a certeza que, são poucos profissionais que eu conheço hoje que tem essa desenvoltura, fluidez, sensibilidade, sagacidade, técnica e manejo clinico em trabalhos desta magnitude.
A IMPORTÂNCIA DE ESPERAR O OUTRO SE REVELAR

Onde eu quero chegar com essa história de Formação? Quando penso em formação de GT, penso em prática, se pudesse dar uma dica (principalmente aos que estão no começo da faculdade) seria: Façam estágios e se envolvam em projetos e pesquisas.
Não estou querendo dizer com isso que a teoria não é importante, é ela que me guiará e sustentará toda minha prática, mas são coisas distintas neste primeiro momento de inicio de formação, pois eu faço uma boa costura entre teoria e prática ao conhecer melhor o meu material de trabalho, em nosso caso “as pessoas”.
Foram nos estágios extracurriculares (a partir do 3º semestre) que vim a ter um olhar para a realidade humana embasado na teoria da GT.
Minha supervisão foi com uma professora Gestaltista, e me entusiasmava vê-la atuando. Eu como todo aluno, louco para tagarelar com o cliente, no caso crianças carentes, tentando entender suas realidades sob o prisma da marginalidade e da pobreza. Eis que minha supervisora apenas ouvia as histórias e brincava com aquelas crianças, sem interpretar ou querer salvá-las (uma mania que adquirimos na faculdade, pelo menos eu).
Este olhar, esta espera para que o outro se mostre inteiro a você tem um tempo… E dentro desse tempo é que será construído o vínculo. E sem ele não existe terapeuta e cliente. Não na nossa abordagem.
E foi assim que fui costurando o conceito e as vivências da GT em mim, confesso que teve pontos muito difíceis para serem aderidos, por exemplo, fazer uma fantasia guiada sem se preocupar com o que o cliente vai falar, ou com o que vai acontecer na vivência, é algo que mexe muito com nossas inseguranças, pois não é tarefa fácil (até hoje) ver o inesperado acontecer nestas técnicas ou às vezes não acontecer absolutamente nada e a outras onde o cliente se nega a realizar algum experimento.
ZONA DE CONFORTO
Esta abordagem me tira da zona de conforto diariamente, e isso é bom e ruim (como tudo na vida) bom, pois me faz acreditar cada dia mais na capacidade autorregulatória do cliente, ruim quando o processo não acontece com determinado cliente ou situação.
Outro aprendizado foi relaxar e sair do FORMATO “cara de paisagem”. Não posso afirmar se isso veio da formação universitária ou se acontece como defesa para não entrarmos em contato com o outro, mas me lembro de algumas recomendações:
- Não me envolver pessoalmente/ emocionalmente com o cliente (seja lá o que isso quer dizer);
- Jamais fale de sua vida pessoal com o cliente;
- Manter uma distância (física ou psíquica?).
Vamos quebrar estes paradigmas, quando alguém conta uma história muito triste me comovo, seja dentro do setting terapêutico, seja numa roda de amigos, ou até entre desconhecidos.
DEIXANDO O CLIENTE CONDUZIR
No consultório, quando me emociono com a história do cliente já estou trabalhando: autoaceitação, vínculo, contato com as emoções (muitas pessoas tem vergonha de chorar), ou seja, é como se eu, ao expor minha emoção autorizasse a emoção do cliente a se manifestar também, o que é bastante saudável. Se o meu terapeuta chora, ao ouvir a minha história, ela é importante, eu tinha razão de ficar triste em determinadas partes, e com isso ele está acolhendo a minha dor (vamos continuar esta conversa num próximo encontro).

Observem que o tempo todo o relato de uma vivência está embasada num conceito teórico, mas não pensei na teoria para escrever pensei na vivência!
E quando e em que tempo nos sentiremos prontos para trabalhar com esta abordagem? Quando nos sentiremos seguros para deixar que o cliente conduza a sessão com o que ele quer trabalhar, fazendo assim com que ele se responsabilizar pelo processo?
O terapeuta tem uma mão que frustra e outra que apoia o cliente o tempo todo. E quando se está pronto para isso? São essas perguntas que gostaria que vocês fizessem a si mesmos, isso vai dar um norte da onde você está e para onde você deseja seguir.
Quando encontro um Gestalt Terapeuta cuja atuação clínica me faz cair o queixo, eu simplesmente vou atrás dele para beber da mesma fonte (se possível quero beber da mesma água, rsrs).
“A tarefa do terapeuta é acolher o cliente, com tudo que este traz de tenebroso ou sublime, deixando-o depositar no chão sua bagagem, que se tornou pesada de tanto ser carregada nas costas. À medida que se desenvolvem o calor da intimidade e a confiança, o viajante recém-chegado se dispõe a abrir seus pacotes…”. Jean Clark Juliano