Que atire a primeira pedra o psicólogo que nunca recebeu um comentário do tipo: “Ah! Você presta tanta atenção nas coisas porque você é psicólogo”. Quem respondeu nunca, gentileza botar a memória pra trabalhar mais um pouquinho. Não lembrou? Fique tranquilo que logo vai acontecer.

Antes de entrar para a faculdade eu sempre tive a sensação de estar sendo “observado” por vários dos psicólogos com quem eu me relacionava.

Depois que me tornei estudante, a história se repetiu com alguns professores e sentia muitas vezes como sendo “analisado”. Foi necessário aprender a conviver com aqueles 3 segundos de olhar fixo que precediam minhas perguntas e os outros 3 segundos silenciosos que se seguiam após a resposta, os quais eu prendia a respiração sob seus olhares de: “Fale mais sobre isso”.

Ps: Não revelo a abordagem nem sob tortura. Com o tempo e a maturidade a gente descobre que todo psicólogo parece curioso por natureza, é genuinamente interessado por outros seres humanos e isso (quase) sempre vai além das quatro paredes do consultório.

Agora pense em um engenheiro… Não parece muito mais provável que essa pessoa tenha alguma aptidão natural para cálculos e se valeu dessa habilidade para escolher sua carreira? E porque raios nós não podemos ter reconhecido uma habilidade também natural em observar o comportamento humano e acabamos por escolher uma profissão na qual esse dom nos favorecesse?

Ok! Isso não justifica quando descemos do ônibus cabisbaixos porque não deu tempo de escutar o final da história que alguém estava contando ao telefone ou quando observamos uma pessoa tão compenetrada em sua leitura que discretamente tentamos descobrir o nome do livro para poder talvez nos interessar também. #MeJulguem.

É exatamente por saber que o psicólogo é um bicho curioso que convido vocês a darem uma espiadinha pela fechadura e ver o que acontece dentro de um consultório de um Terapeuta da TCC.

Não haveria outro modo de oferecer essas informações sem me valer de muito do que acontece dentro do meu próprio consultório (até poderia usar a fechadura de Aaron Beck, mas ele já previa esse problema e obstruiu a visão).

Sei perfeitamente que vocês estão muito mais interessados em conhecer mais sobre a TCC e as Terapias Contextuais do que a respeito de como eu trabalho, mas da mesma forma como nos últimos materiais, algumas percepções e práticas estarão presentes para reforçar uma questão fundamental que venho tentando trazer para dentro da Academia:

Nada do que lemos deve se tornar uma regra ou ser seguido de maneira rígida, pois não existe nada de mais apócrifo (achei essa palavra chique!) e artificial do que tentar transmitir para seus pacientes algo que contrarie seu jeito natural e mais funcional de ser.

Mas, vamos parar de conversa mole e ir direto ao ponto.

Basicamente em todo e qualquer material de TCC que você encontrar, a palavra estruturação estará sempre presente e esse é o segredo que faz dessa abordagem uma das mais reconhecidas pela efetividade e seus resultados rápidos hoje em dia.

Partimos do princípio de que muitas vezes o paciente nunca tenha passado pela terapia ou pode ter se submetido a experiências não tão positivas e é prudente que diante dessa nova experiência possamos lhe proporcionar uma renovação de suas esperanças e um direcionamento que lhe transmita a mensagem: “Concentre-se nos problemas chave e as respostas irão surgir”.

Não podemos perder de vista que como Terapeutas Cognitivo-Comportamentais temos como objetivo último que o paciente torne-se seu próprio terapeuta.

Desse modo, a partir de uma avaliação inicial, da Psicoeducação e contando com uma estruturação mínima, é necessário que sejamos mais diretivos no início do processo, a fim de que progressivamente o paciente assuma a direção. E o resultado disso será que ele passe a reconhecer a utilidade das ferramentas oferecidas e redescubra sua capacidade e autonomia para fazer o melhor uso de tudo que foi experienciado ao longo do processo.

E por onde começar?

Pelo humor! Se na TCC nos referimos a como o paciente processa o mundo a sua volta através do pensamento, nada mais prudente que avaliar como o ele está se sentindo no aqui-e-agora. Há de ter uma breve noção de sua abertura para o que será trabalhado ali e perceber como ele inicia e como finaliza a sessão.

Informações como: “Essa semana foi muito puxada” (cansado), “Me senti muito mal nos últimos dias” (humor deprimido), “Tive dias muito desafiadores mas me sinto bem melhor” (confiante) podem ser de grande utilidade para uma sessão produtiva.

Para isso alguns Terapeutas contam com instrumentos como o Inventário de Depressão de Beck (BDI), realizam perguntas com resposta em escala: “Sendo zero seu pior humor até hoje e 10 seu melhor humor, como você se classificaria hoje?”. Da mesma forma outros se valem do bom e velho: “Como você está?”; “Como foi a semana?”; “Como estamos?”.

Não precisamos relembrar que o “tudo bem?” é um hábito que deveria ser extinto do nosso cotidiano pelo risco de induzir a uma resposta de como o outro sente, muitas vezes lhe tirando a possibilidade de dizer: Hoje está tudo uma merda!

Construindo pontes

Uma vez verificado o humor, é importante que seja estabelecida uma ponte com a sessão anterior. Incluir isto na estrutura de nossas sessões reforça um direcionamento e compromisso em demonstrar que as tarefas que por ventura lhe tenham sido passadas tiveram um propósito e principalmente perceber como o paciente se sentiu após a saída do consultório, que como sabemos é quando acontece uma significativa parte do processo terapêutico.

Considero que este seja um ponto da estruturação que oferece grande benefício não apenas para o paciente mas também ao terapeuta. Enquanto o psicólogo tem a cada encontro uma melhor fixação da história do paciente, este outro percebe de forma mais clara sua evolução e a continuidade dentro do processo, preparando-o para que muito em breve seja o responsável por estabelecer essas pontes.

O fantasma da agenda

Uma das coisas que gera quase um abismo entre os Psicólogos e a TCC é a crença de que para trabalhar com essa abordagem estará sujeito a ficar de posse de uma agenda realizando anotações durante toda a sessão, criando um ambiente parecido com o de uma reunião. Assim, fica caracterizada uma relação fria e que não permite uma aproximação do paciente totalmente contrária a TCC. Mas, ainda bem que acreditamos que as crenças podem ser modificadas, não é mesmo?

A agenda surge como um meio de otimização do tempo da sessão, permitindo que terapeuta e paciente não se distanciem dos objetivos que foram definidos de forma colaborativa.

Vejamos isso na prática…

Ellen recebeu uma nova paciente que foi encaminhada com um quadro de TAG e ao perguntar sobre o que a trazia ali, identificou que ela tinha como objetivo “uma vida mais feliz”.

Ao longo dos atendimentos Ellen percebeu que Ana Clara relatava grande disposição quando praticava atividades físicas individuais, enquanto as aulas de dança lhe causavam certo pavor por acreditar que todos estavam atentos as suas falhas. Diante disso, o hábito de se exercitar que lhe proporcionava ganhos em diferentes contextos acabou se perdendo.

Ana Clara com o suporte da terapeuta reconheceu que “ter uma vida mais feliz’ era uma meta muito ampla. Contudo, retomar o hábito de correr no parque próximo de sua casa antes do trabalho onde sentia-se mais segura e confortável talvez fosse um passo importante nesse processo, tornando-se um dos objetivos de curto prazo estabelecidos entre Ellen e Ana Clara.

É possível que Ana não tivesse chegado a essa conclusão se juntas elas não tivessem definido previamente uma agenda com os tópicos abaixo para aquela sessão:

Mas, uma sessão sem agenda é uma sessão perdida? Talvez até seria se ela deixasse de ser uma ferramenta (muito útil por sinal na TCC) e disputasse o papel de protagonista com seu paciente e suas demandas.

Um paciente que menciona uma ideação suicida recorrente durante a última semana irá sempre se beneficiar muito mais de uma percepção de acolhimento e escuta empática do que de papel, caneta e uma lista de atividades. Lembre-se que seu sucesso como terapeuta sempre estará mais relacionado a seu compromisso com seus pacientes do que com qualquer técnica que você utilize em seu trabalho diário.

Adulto faz tarefa para casa? Faz sim! Faz e ainda tem prazo pra entregar.

Esse é outro ponto em que psicólogos que ainda não estão muito bem familiarizados com o modelo torcem o nariz para a TCC. Como Terapeutas sabemos que quase sempre que recebemos um novo caso, se o caldo não entornou é porque está muito próximo disso. Então como caminhar para uma evolução rápida junto de alguém que por 10 anos desenvolveu as mais diferentes estratégias para validar pensamentos disfuncionais, contando com apenas 50 minutos semanais de trabalho duro?

A TCC acredita em uma dedicação continuada que vai além do setting terapêutico. Quando orientamos que um paciente realize o Registro de Pensamentos Automáticos ao longo da semana, assista um filme que lhe ajude a identificar o papel das emoções ou pedimos que identifique e traga na próxima sessão um objeto que simbolize uma conquista recente é que o convidamos a refletir sobre seu desenvolvimento pessoal ser um exercício diário e de sua inteira responsabilidade.

Mas, atenção!

Não caia na tentação de encher seus pacientes com escalas, atividades e exercícios como uma forma de sentir-se mais seguro ou tentar conquistar sua confiança mostrando-se produtivo. Toda e qualquer atividade só alcança o resultado esperado se atinge a pelo menos dois propósitos: está intimamente ligada aos objetivos definidos e se nosso paciente percebe claramente que o tempo investido em sua realização não foi em vão.

Devemos nos certificar que o paciente compreendeu a tarefa, seja pedindo que ele repita o que entendeu ou através do envio de um e-mail claro e objetivo a respeito. Existe alguma outra prioridade que vai tomar o tempo dedicado a revisão da tarefa? Não tem problema, apenas seja transparente e a partir de uma decisão partilhada diga que o assunto será retomado na próxima sessão.

Quem disse que feedback é coisa de RH?

Dar e receber feedback dentro de um processo terapêutico guiado pela TCC é fundamental para garantir que Terapeuta e Paciente não apenas estejam avançando, mas que estejam no mesmo ritmo e chegando ao mesmo lugar. Costumo dizer que o feedback dentro de uma sessão de TCC se divide entre os papéis de ferramenta e termômetro.

Medir o nível de transferência (surpreso de encontrar esse termo dentro da TCC?) é fundamental para o progresso da Terapia, afinal, não se deve perder de vista que um dos principais meios de mobilizar o paciente é criando uma forte aliança terapêutica.

Me sinto confortável em perguntar como um paciente avalia nossa relação logo após tratarmos de um assunto que visivelmente lhe causou inquietação e escutar uma resposta como: “Você está chato hoje Weslley!”. Sendo o feedback algo tão presente, a relação estabelecida me permite não apenas receber esse comentário com um sorriso, mas também rirmos juntos da espontaneidade com a qual ele conseguiu se expressar.

Isso é fundamental para entender um pouco melhor que o paciente considera chata uma sessão em que se vê frente a seus pensamentos disfuncionais e sente que alguma providência precisa ser tomada diante daquilo.

Outra situação que ilustra bem o papel do feedback é quando o paciente propõe uma ação a qual você não o percebe muito seguro e pergunta se ele se vê realmente confortável a realizá-la. Isso possibilita que ele compartilhe que não se sente seguro mas acreditava que era o que seu terapeuta esperava que ele dissesse.

Possivelmente a atividade não seria realizada e ainda poderia causar grande frustração ao paciente, mas à partir do feedback pode ser convertido em uma atividade mais realista a qual o paciente se sinta realmente confortável em executá-la e sinta-se cada vez mais confiante.

Quando me refiro a ser também uma ferramenta, estou dizendo que pode ser um dos meios que usamos para, por exemplo, retomar o foco da sessão ao perguntar ao paciente qual a relação entre o que ele acabou de mencionar com os tópicos estabelecidos na agenda ou quando precisamos fazer uma verificação sobre se realmente entendemos a mensagem que o paciente desejava transmitir.

Comecei a atender recentemente um paciente que chegou até mim com o diagnóstico de esquizofrenia paranoide. Foi um desafio pra quem nunca havia atendido um caso assim e a última lembrança clara que tinha de um quadro de esquizofrenia era a Estamira. Lembram dela?

No desenvolver do processo percebi que esse paciente possuía várias habilidades como jogar xadrez, artes marciais e até havia exercido atividades como dar aula para crianças e recepcionar pessoas apresentando o espaço onde trabalhava. Uma de suas queixas estava relacionada ao receio de que alguns de seus comportamentos fossem mal interpretados em seu ambiente de trabalho. Sua crença de inadequação que foi internalizada e reforçada ao longo dos anos encontrou um grande aliado nos feedbacks onde eu repetia a ele a minha compreensão do fato que ele havia acabado de relatar e se essa era a mensagem que desejava transmitir.

O feedback consiste em um resumo oferecido várias vezes ao longo da sessão e no final dela, mas que não se difere pelo “tamanho”, mas sim pela maneira como é oferecido.

É necessário ter muito cuidado para diferenciar os feedbacks partilhados no meio da sessão e que tem como objetivo trazer à tona pensamentos disfuncionais para serem trabalhados, daqueles que são oferecidos ao final da sessão com o intuito de clarear aspectos importantes de um modo que seja otimista sem deixar de ser realista.

Esses talvez não sejam todos, mas são cinco dos principais pontos que devem estar presentes na estrutura de uma sessão de Terapia Cognitivo Comportamental.

Torno a enfatizar que não se trata de uma “receita de bolo” e diante disso, não necessariamente deverão contar com tempos pré-estabelecidos para cada um deles, que certamente não estiveram sempre em todos os atendimentos os quais realizei nem nos que vocês irão realizar e menos ainda deverão ser seguidos religiosamente essa ordem.

Contudo, por serem extremamente úteis em nossa prática clínica, é importante considerar que se desejamos nos tornar não apenas bons terapeutas, mas empenhados em oferecer um serviço de qualidade aos nossos pacientes é necessário trabalhar para que eles se tornem mais presentes a cada sessão.

Ah! E muito cuidado com as fechaduras.

AUTOR

WESLLEY CARNEIRO

weslleycarneiro@gmail.com@wcarneiropsi

👨🏽‍🎓Psicólogo de formação
🧘🏽‍♂️Psicoterapeuta #ACT e #Mindfulness por paixão
Mineiro idealista e idealizador do @netmet.psi

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