Sério?

Sério… Ainda circula por ai que nós só usamos 10% do nosso cérebro e se fosse possível usar mais, certamente teríamos melhores habilidades cognitivas.

Temos que concordar que é um mito encantador, especialmente para o mundo de Hollywood. Que tal tomar uma pílula e num passe de mágica desenvolver um nível cognitivo ultra mega master? Quem diria não a um artifício desses?

Mas já aviso aos navegantes: não passa de um mito. E como todo mito, boa parte do que o sustenta não é verdade e nem sabemos exatamente de onde se originou.

Primeiramente temos uma rede cerebral chamada default mode network (algo como “rede de ativação padrão”) que se mantem ativa mesmo quando estamos no que chamamos de estado de repouso, mesmo quando pedimos para que alguém não pense em nada ou olhe apenas para um ponto preto em uma parede branca.

Essa rede mantem ativadas regiões cerebrais que embasam o processamento emocional (córtex pré-frontal ventromedial), a atividade mental autoguiada (córtex pré-frontal dorsolateral) e a evocação de experiências e memórias (córtex cingulado posterior, precuneos, e córtex parietal lateral).

Essa rede se mantém ativada normalmente e aumenta ou diminui de acordo com a atividade específica que será executada.

Por exemplo, se vamos realizar uma tarefa atencional é preciso que essa rede reduza sua ativação, dando espaço para a rede mais específica da atenção controlada. Isso reduz a “disputa” ou o “barulho” cerebral, que tende a ser mais prejudicial que benéfico. É possível que essa rede seja mais ativada mediante uma tarefa, se ela servir como necessária àquela função mental a ser executada. Nesse caso, sua ativação ajuda ao invés de atrapalhar.

Até aqui já vimos então que não adianta sair ativando tudo de qualquer jeito, pois isso não parece funcionar. Não parece não, não funciona!

Para ficar mais claro

Quando precisamos compensar alguma dificuldade cerebral ou mesmo lidar com uma demanda cognitiva superior ao que estamos acostumados o nosso cérebro tende a recrutar redes auxiliares para manter o desempenho de forma satisfatória. Eis que ai temos duas possibilidades:

  1. Recrutar as redes auxiliares corretas e isso ser benéfico ao desempenho,
  2. Recrutar redes auxiliares que não auxiliam na atividade mental e acabam piorando o desempenho.

Resumindo: nem sempre mais é sinal de ser bom.

Outro ponto interessante é que cérebros eficientes e com bom desempenho, tendem a apresentar uma maior economia de ativação se a tarefa é considerada fácil. Ou seja, ativam pouco e realizam a tarefa com eficiência. E aparentemente o cérebro só recruta novas redes se a demanda cognitiva for superior ao já acostumado. Esse princípio da economia ajuda a lembrar que nem sempre sair consumindo energia vai gerar benefícios.

O cérebro corresponde a apenas (em média) 2% do seu peso corporal, mas que consome em trono de 20-25% da energia corporal necessária para funcionarmos. E esse consumo aumenta em média 5% durante a realização de alguma tarefa específica.

Ou seja, é um órgão que custa “caro” energeticamente para o seu corpo e gastar mais energia desnecessária seria contraproducente.

Basicamente nós usamos todas as partes do nosso cérebro, em um arranjo harmônico. Em uma situação ideal nenhuma região precisa ser ativada se ela não contribui para a função cognitiva/comportamental a ser executada. Se ela contribuísse, possivelmente seria usada.

Imaginem seu cérebro ativando tudo ao mesmo tempo: seria muito mais difícil selecionar as informações que devem ser processadas com prioridade, quais devem se tornar conscientes e quais devem gerar uma saída de informações.

Nós não usamos 10% do nosso cérebro. Nós usamos 100% dele!

Não temos partes cerebrais inúteis ou apenas servindo de enfeite. Nós apenas usamos ele de forma fluída, lógica, e coesa.

E esse uso em exames de neuroimagem pode dar a sensação de que algumas partes não são usadas, quando na verdade podem não ser usadas para aquela função específica que está sendo recrutada. Por exemplo, para que ativar em excesso as áreas da linguagem diante de estímulos abstratos, feitos para não serem verbalizados?

No entanto, apesar de sabermos disso, as pessoas ainda olham para o cérebro como uma máquina, um computador que pode ser potencializado mais e mais. De fato nosso cérebro pode e deve ser estimulado, mas é preciso saber entender como e porque. Pílulas mágicas que produzem um efeito instantâneo nem sempre são a melhor opção.

Isso nos leva a discutir sobre as famosas drogas da inteligência. Mas ai fica para um próximo post exclusivo para elas. Combinado?

Enquanto isso vamos usando nosso cérebro de forma eficiente como só ele sabe fazer! E lembrando sempre, que isso é sempre mais do que só 10%!

AUTORA

LAISS BERTOLA

Laiss Bertola é neuropsicóloga PhD, Especialista em Adultos e Idosos – laissbertola@gmail.com

Referências:

Neubauer, A. C., & Fink, A. (2009). Intelligence and neural efficiency. Neuroscience & Biobehavioral Reviews, 33(7), 1004–1023.

Raichle, M. E. (2015). The Brain’s Default Mode Network. Annual Review of Neuroscience, 38(1), 433-447.

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